Quem não tem voto, caça com Veja.
Reportagem ancorada em supostas declarações já negadas pelo empresário Marcos Valério produziu uma reação esperada: José Serra pediu que o Ministério Público investigasse a “entrevista” e levasse o caso ao STF. Ou seja: depois da Ação Penal 470, Lula também poderia vir a se tornar réu, ficando assim impedido de voltar à presidência
247 – Desde 1º de janeiro de 2003, a revista Veja tem se destacado por ser uma trincheira de combate ao chamado “lulismo”, seja por meio de denúncias nem sempre verdadeiras, seja por meio de ataques diretos feitos por colunistas como Diogo Mainardi (já fora da publicação), Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo. De todas as incontáveis capas produzidas por Veja, a que talvez melhor simbolizasse o sentimento do dono, Roberto Civita, era aquela chamada “Essa doeu”, em que Lula levava um pontapé no traseiro – o pretexto era uma negociação relativa ao preço do gás comprado da Bolívia. Houve ainda outro episódio em que, no auge de mensalão, Lula foi grafado como Lulla – a esperança de Civita era que, naquele momento, a revista fosse capaz de liderar um movimento nas ruas pelo impeachment do ex-presidente, tal qual ocorreu com Collor.
Esse movimento não aconteceu porque a oposição, liderada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não teve coragem para tentar cassar o primeiro presidente de origem popular da história do País e para enfrentar, nas ruas, a força dos movimentos sociais ligados ao PT. Faltou coragem, mas o desejo de eliminar Lula da cena política brasileira permaneceu vivo.
Veja manteve seu padrão de jornalismo mais próximo da ficção do que da realidade, com denúncias como as dos dólares de Cuba, dos envelopes com R$ 200 mil entregues na Casa Civil de Dilma Rousseff e da propina entregue na garagem do Ministério dos Transportes (acusação da qual o ex-ministro Orlando Silva já foi inocentado). Mas o PT, enquanto esteve no governo, não ousou confrontá-la. Ao contrário, manteve até uma relação de civilidade, expressa no fato de que o grupo Abril é um dos principais beneficiários da publicidade oficial no País, em razão da suposta audiência de suas publicações. Além disso, não foi capaz nem sequer de convocar Civita e um dos jornalistas de Veja a depor na CPI do caso Cachoeira.
Ao longo dessa guerra santa deflagrada pela revista contra o chamado lulismo, nada foi tão ousado como a capa deste fim de semana, em que a revista sugere ter entrevistado Marcos Valério, pivô do mensalão, publicando entre aspas várias declarações já negadas pelo publicitário. Uma das aspas, a de que Lula não apenas sabia, como era o chefe de tudo e se engajava pessoalmente na arrecadação de um caixa de R$ 350 milhões do PT.
É verdade? Valério falou com Veja? Pode ser, como pode não ser. Veja não dispõe dos áudios e nada garante que o empresário realmente tenha falado à revista em off. Ocorre, no entanto, que a reportagem já é tratada pelos adversários de Lula, e aliados de Veja, como José Serra – e que falta faz um Demóstenes Torres! – como uma “entrevista”. Algo que, portanto, deveria gerar reações dos órgãos institucionais, como o Ministério Público, a Polícia Federal e o Supremo Tribunal Federal.
Os réus da Ação Penal 470, ao que tudo indica, serão majoritariamente condenados até o fim deste ano. Alguns deles, como Marcos Valério, João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato, serão presos em regime fechado. Outros, como José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoíno, conhecerão seu destino nos próximos dias.
A oposição não teve coragem para provocar o impeachment de Lula, mas pode tentar levá-lo ao banco dos réus. Quem não tem voto, caça com Veja. Era esse o objetivo da última capa de Veja.
Política, pura e simplesmente.
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