terça-feira, 27 de dezembro de 2011

CENA DE NATAL

A caminho de Aparecida, no dia 24, tomei um ônibus em Quiririm, já que não havia pressa alguma, o calor já havia amainado e o céu até ameaçava a chuva, que cairia um pouco mais tarde. No percurso, estava lendo algo, meu jeito de viajar, seja em ônibus, carro ou avião - já que não piloto nenhum desses veículos - quando ouvi alguém, sentado além do corredor, falando muito alto.
Pensei que era alguém ao celular, coisa comum hoje, mas pelo tom nervoso, era alguém que estava brigando, chamando alguém para a briga.
Desviei o olhar do meu livro e percebi no outro lado do busão um cidadão jovem, moreno, gesticulando muito, como em convulsão. Ele se aquietava um minuto e de repente erguia os braços e os baixava freneticamente. E discutia com alguém invisível aos meus olhos e de todos ao redor.
Foi assim durante o trajeto, e quando desembarcamos na Rodoviária Velha de Taubaté, ele desceu normalmente, caminhou meia-dúzia de passos, e disparou numa corrida de três ou quatro metros, estacando de novo. Seu corpo estava completamente descoordenado, parecia funcionar muito longe de sua vontade.
Parou perto de onde eu estava, eu aguardava outro ônibus para a Rodoviária Nova, e veio até mim pedir um real. Eu neguei. Achei que talvez ele estivesse drogado, e quisesse dinheiro para mais uma pedra, algo assim. Confesso que, ao dizer-lhe "não" temi que ele me agredisse, tal o seu descontrole físico e, logicamente, mental.
Até agora não sei se agi certo, na minha omissão. Eu estava atrasdo, sem pressa, mas muitas horas atrasado para ir à festa de Natal, em casa de familiares na cidade da Padroeira. Estava lendo um livro interessantíssimo, que desejava terminar durante a curta viagem. Por essas e outras razões imaginárias, nada fiz para atender o rapaz, nem ao menos lhe dirigi a palavra além do "Não" defensivo.
Se você me perguntar se passei um Feliz Natal, direi que foi ótimo, junto a pessoas que amo, comendo e bebendo e confraternizando. Mas aquele rapaz e minha covardia não me deixam em paz. O que eu poderia ter feito por aquele doente, como tantos que perambulam pelas nossas ruas?
Bem, para aliviar minha consciência, vou jogar nas costas do aniversariante, o esquecido Jesus Cristo - a festa era do Papai Noel.

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