segunda-feira, 26 de agosto de 2013

MAIS MÉDICOS: MUITO BARULHO POR NADA

25 DE AGOSTO DE 2013 - 16H29 

Associações médicas seguem à risca o juramento de hipócrita


O ano é 1930. As tropas insurgentes de Getúlio Vargas vêm do RS para tentarem tomar a capital federal (Rio de Janeiro). Os efetivos leais ao presidente que elas querem depor, Washington Luiz, esperam-nas na cidade de Itararé, divisa entre SP e PR. Canta-se em prosa e verso aquela que será a mais formidável e sangrenta das batalhas. Mas, nem um único tiro é disparado: antes, o presidente bate em retirada, entregando o poder a uma junta governativa.

Por Celso Lungaretti (*)


Ironizando, o grande humorista Aparício Torelly escreve que, como nada lhe reservaram no rateio de cargos governamentais entre os vencedores, ele próprio se outorgaria a recompensa:

"O Bergamini pulou em cima da prefeitura do Rio, outro companheiro que nem revolucionário era ficou com os Correios e Telégrafos, outros patriotas menores foram exercer o seu patriotismo a tantos por mês em cargos de mando e desmando… e eu fiquei chupando o dedo. Foi então que resolvi conceder a mim mesmo uma carta de nobreza. Se eu fosse esperar que alguém me reconhecesse o mérito, não arranjava nada. Então passei a Barão de Itararé, em homenagem à batalha que não houve".

Uma batalha que não houve é o desfecho para o qual se encaminha a pendenga entre associações médicas e o Governo Federal, pois inexiste qualquer base legal para elas se queixarem à Justiça ou chamarem a polícia, numa retaliação corporativa à importação de profissionais cubanos. É tudo blefe, dos mais patéticos.

Se algum energúmeno tentar, vai perder e se desmoralizar. Ponto final.

Quanto ao presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, João Batista Gomes Soares, que prometeu orientar os médicos do Estado a não corrigirem eventuais erros dos cubanos, está simplesmente aconselhando-os a incorrerem no crime de omissão de socorro. 

Merece não só perder a boquinha, como ser excluído da profissão e até processado criminalmente. Ao invés do juramento de Hipócrates, segue o juramento de hipócrita, colocando as suas pirraças acima da integridade física e até da vida dos pacientes. 

No que tange ao xis do problema, o Ministério da Saúde deveria ter encaminhado o assunto de uma forma mais perspicaz, exortando as entidades médicas a assumirem o compromisso de garantir o atendimento dos coitadezas dos grotões, dentro das disponibilidades orçamentárias da Pasta.

Se prometessem e cumprissem, maravilha.

Se alegassem ser-lhes impossível fornecer tal garantia, então não teriam moral para criar empecilhos à solução alternativa que as autoridades resolvessem adotar. Simples assim.

Sendo leigo em medicina, não me porei a discutir se os cubanos estão ou não suficientemente qualificados para cuidar de cidadãos brasileiros. 

Mas, pragmaticamente, as pessoas sem antolhos ideológicos decerto concluirão que a presença de quaisquer médicos nas comunidades carentes é melhor do que deixá-las em completo abandono. Se os doutores caribenhos se dispõem a trabalhar nas mesmas condições que os mercenários brasileiros recusam, então temos mais é de ser-lhes gratos. Simples assim... de novo!

Além da batalha de Itararé, este vergonhoso episódio e o destaque desmesurado que lhe é dado pela imprensa canalha me fez lembrar Shakespeare: trata-se de muito barulho por nada elevado à enésima potência...

* jornalista e escritor. 

Fonte: Náufrago da Utopia


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