O filho de FHC e a rádio Disney
Por Altamiro Borges
Elvira Lobato, repórter da Folha, informa hoje que o Ministério das Comunicações está investigando se o grupo estadunidense Disney ABC – um dos maiores impérios midiáticos do mundo – controla ilegalmente a rádio Itapema FM, de São Paulo, que usa o nome fantasia de “Rádio Disney”. A emissora pertence a Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente FHC.
Oficialmente, o brasileiro de linhagem tucana detém 71% das ações da emissora e o grupo ianque controla o restante – o que se encaixaria no limite de 30% de participação estrangeira permitido pela Constituição nos meios de comunicação. Mas há suspeitas de irregularidades. Pela lei, o controle do capital das rádios deve ser nacional e a programação deve ser comandada por brasileiros.
Uma estranha negociação
“O ministério quer apurar se os americanos têm ingerência sobre programação e operação da emissora, que funciona no prédio da Disney, e não no local informado à pasta... Dois executivos da Disney no Brasil - o diretor financeiro Richard Javier Leon, americano, e o diretor-geral Miguel Angel Vives Vives, mexicano – têm procuração para autorizar empréstimos, emitir cheques e vender bens da emissora, o que denotaria poder de gestão”, informa Elvira Lobato.
Fundada em 1923, a Disney está entre os dez maiores conglomerados midiáticos do mundo. Ela é dona da rede de TV aberta dos EUA ABC, de 72 estações de rádio, além de estúdios, gravadoras, produtoras, parques e canais por assinatura. Já a Rádio Itapema pertencia ao ex-governador Orestes Quércia, que ganhou a concessão no governo José Sarney. Em 2007, ela foi vendida ao grupo RBS, afiliado da TV Globo, e, logo na sequência, para a Rádio Holding, de propriedade de Paulo Henrique Cardoso.
Artifícios das corporações midiáticas
O Ministério das Comunicações cumpre seu papel ao apurar este estranho negócio. Segundo a repórter da Folha, o ministro Paulo Bernardo garantiu que “o envolvimento do filho do ex-presidente não influenciou na investigação”. Até poderia ter influenciado. Afinal, pode se tratar de mais uma promíscua relação entre interesses públicos e privados, como gosta de martelar a mídia.
Ainda segundo Paulo Bernardo, negociações semelhantes na área de comunicação têm ocorrido como artifício para transferir a gestão de emissoras a empresas ou pessoas que não podem ou não querem aparecer como controladoras. “Ele disse que levará o caso ao Ministério Público... Procurado pela Folha, Paulo Henrique não quis dar entrevista, e delegou à Disney esclarecer sobre a gestão. O grupo disse que o comando da emissora é nacional”.
A seletividade criminosa da mídia
O episódio envolvendo o filho de FHC lembra outro caso famoso, que vitimou o filho de Lula. Naquele, porém, a mídia corporativa fez grande alarde, com manchetes nos jornalões e comentários ácidos nas emissoras de TV. Agora, na sua seletividade, ela adota maior cautela, aguardando o resultado das investigações. Os “calunistas” da chamada grande imprensa estão quietos, na moita.
Não dá nem para alegar que a suspeita é recente e que não deu tempo para investir em “reportagens investigativas”. Em julho passado, o blogueiro Eduardo Guimarães já havia alertado para as estranhas ligações entre o Grupo Disney e o empresário Paulo Henrique Cardoso. Ele também já advertia para o risco da seletividade da mídia demotucana. Reproduzo abaixo sua excelente postagem:
*****
A perseguição da mídia a Lula e à sua família não terminou depois que ele deixou o poder. Desde a semana seguinte à posse de Dilma Rousseff, em janeiro, que os ataques ao ex-presidente miram todo e qualquer aspecto de sua vida particular – desde os valores que cobra para dar conferências (como faz seu antecessor Fernando Henrique Cardoso desde que deixou o poder) até as atividades privadas de seus familiares.
Essa perseguição obstinada, irrefreável e interminável acaba de ganhar mais um capítulo. Neste domingo, o jornal Folha de São Paulo expõe uma neta do ex-presidente-operário, Bia Lula, de 16 anos, que integra o elenco de uma peça de teatro que recebeu financiamento de 300 mil reais da operadora de telefonia OI. A matéria insinua que o financiamento só ocorreu devido à influência de Lula.
Este post, porém, não pretende questionar a função fiscalizadora da imprensa nas democracias e, sim, a seletividade nessa fiscalização. Não é ruim que a imprensa fiscalize a vida privada dos políticos desde que não faça isso em benefício de outros políticos, tornando-se partícipe do jogo político-partidário, o que lhe retira a credibilidade, razão pela qual esses conglomerados de mídia negam até a morte que têm qualquer preferência política.
Mas o que explica, então, que as atividades privadas dos filhos de um ex-presidente de determinado partido sejam devassadas dessa forma – não poupando nem uma garota de 16 anos ao lhe reproduzir a foto em uma matéria em que, ao fim e ao cabo, chama seu avô de ladrão (nas entrelinhas) – enquanto não acontece o mesmo com os negócios para lá de esquisitos do filho de FHC Paulo Henrique Cardoso, por exemplo?
Fico imaginando o que teria acontecido se Lula tivesse feito em relação ao seu filho o que fez o antecessor em relação ao dele, enquanto ambos governavam…
Em 1996, Paulo Henrique Cardoso era casado com a filha do dono do Banco Nacional, cuja falência foi evitada por medida provisória editada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Aquela medida tornou possível a venda de parte boa do Banco Nacional para o Unibanco. A parte podre — de seis bilhões de dólares — ficou para o governo pagar. Este blogueiro se cansou de ler editoriais do Estadão defendendo a negociata.
Em 2000, dois anos antes de deixar o poder, FHC autorizou financiamento do seu governo à empresa do próprio filho, Paulo Henrique Cardoso, para montar o pavilhão brasileiro na Expo 2000 na Alemanha, na cidade de Hannover. Foram doados pelo governo federal, então, 14 milhões de reais. O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal chiaram, inclusive. A imprensa, porém, deu algumas raras reportagens sobre o caso e nunca mais tocou no assunto, sobretudo depois que FHC deixou o poder.
A boa e velha hipocrisia da mídia dirá que tudo isso aconteceu faz tempo e tentará convencer os incautos de que naquela época foi feito um barulho sequer parecido com o que se faz hoje sob meras especulações e não sob fatos concretos como aqueles que pesavam sobre o filho do ex-presidente tucano. Contra Fábio Luís Lula da Silva, por exemplo, afirmam que financiamento da OI à empresa dele seria escandaloso. Mas alguém viu algum jornalista chamar de escandalosos os fatos sobre o filho de FHC?
E o pior é que PHC continua se metendo em negócios estranhos, para dizer o mínimo. A mídia deveria ter curiosidade sobre seus negócios porque seu pai é o líder máximo do maior partido de oposição, partido que controla governos estaduais poderosos como os de São Paulo (o mais rico do país) e Minas Gerais, sem falar da ascendência do ex-presidente sobre a grande mídia, o que faz dele político a ser agradado por empresas privadas.
Veja só, leitor, o negócio fechado no fim do ano passado pelo filho de um dos políticos mais poderosos e influentes do Brasil, um negócio sobre o qual a grande mídia não especulou nada, não quis saber nada e não publicou nada. Em 29 de novembro do ano passado a Rádio Disney estreou oficialmente no Brasil na frequência FM 91,3 MHz de São Paulo. A emissora foi negociada no começo do ano, quando a Walt Disney Company se uniu à Rádio Holding Ltda. e comprou a concessão. A Holding pertence a Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e detém 71% do negócio.
Walt Disney Company é um dos maiores grupos de mídia dos Estados Unidos e esse será o seu maior investimento no Brasil. Teve que se associar minoritariamente ao filho de FHC porque a legislação brasileira não permite que empresas estrangeiras controlem veículos de comunicação. Por isso precisa de um brasileiro…
O filho de Lula, dito “Lulinha” pela mídia, recebeu acusações explícitas e incessantes por receber financiamento de uma grande empresa. Por que foi diferente com o filho de FHC? O caso deles é bastante parecido, ora. Ambos têm sócios poderosos em empresas de comunicação – “Lulinha” produz conteúdo para uma televisão UHF e Paulo Henrique é sócio de um tubarão internacional numa rádio.
É injusto dizer que há irregularidades nesses negócios de familiares dos ex-presidentes. Para expor as famílias da forma como a Folha fez com a neta de Lula, deveria haver mais do que especulações. Tanto para a família do ex-presidente petista quanto para a do tucano. Os valores que eles cobram pelas palestras, idem. Mas se a mídia quer investigar, que faça com todos os políticos e não só com aqueles dos quais não gosta.
Elvira Lobato, repórter da Folha, informa hoje que o Ministério das Comunicações está investigando se o grupo estadunidense Disney ABC – um dos maiores impérios midiáticos do mundo – controla ilegalmente a rádio Itapema FM, de São Paulo, que usa o nome fantasia de “Rádio Disney”. A emissora pertence a Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente FHC.
Oficialmente, o brasileiro de linhagem tucana detém 71% das ações da emissora e o grupo ianque controla o restante – o que se encaixaria no limite de 30% de participação estrangeira permitido pela Constituição nos meios de comunicação. Mas há suspeitas de irregularidades. Pela lei, o controle do capital das rádios deve ser nacional e a programação deve ser comandada por brasileiros.
Uma estranha negociação
“O ministério quer apurar se os americanos têm ingerência sobre programação e operação da emissora, que funciona no prédio da Disney, e não no local informado à pasta... Dois executivos da Disney no Brasil - o diretor financeiro Richard Javier Leon, americano, e o diretor-geral Miguel Angel Vives Vives, mexicano – têm procuração para autorizar empréstimos, emitir cheques e vender bens da emissora, o que denotaria poder de gestão”, informa Elvira Lobato.
Fundada em 1923, a Disney está entre os dez maiores conglomerados midiáticos do mundo. Ela é dona da rede de TV aberta dos EUA ABC, de 72 estações de rádio, além de estúdios, gravadoras, produtoras, parques e canais por assinatura. Já a Rádio Itapema pertencia ao ex-governador Orestes Quércia, que ganhou a concessão no governo José Sarney. Em 2007, ela foi vendida ao grupo RBS, afiliado da TV Globo, e, logo na sequência, para a Rádio Holding, de propriedade de Paulo Henrique Cardoso.
Artifícios das corporações midiáticas
O Ministério das Comunicações cumpre seu papel ao apurar este estranho negócio. Segundo a repórter da Folha, o ministro Paulo Bernardo garantiu que “o envolvimento do filho do ex-presidente não influenciou na investigação”. Até poderia ter influenciado. Afinal, pode se tratar de mais uma promíscua relação entre interesses públicos e privados, como gosta de martelar a mídia.
Ainda segundo Paulo Bernardo, negociações semelhantes na área de comunicação têm ocorrido como artifício para transferir a gestão de emissoras a empresas ou pessoas que não podem ou não querem aparecer como controladoras. “Ele disse que levará o caso ao Ministério Público... Procurado pela Folha, Paulo Henrique não quis dar entrevista, e delegou à Disney esclarecer sobre a gestão. O grupo disse que o comando da emissora é nacional”.
A seletividade criminosa da mídia
O episódio envolvendo o filho de FHC lembra outro caso famoso, que vitimou o filho de Lula. Naquele, porém, a mídia corporativa fez grande alarde, com manchetes nos jornalões e comentários ácidos nas emissoras de TV. Agora, na sua seletividade, ela adota maior cautela, aguardando o resultado das investigações. Os “calunistas” da chamada grande imprensa estão quietos, na moita.
Não dá nem para alegar que a suspeita é recente e que não deu tempo para investir em “reportagens investigativas”. Em julho passado, o blogueiro Eduardo Guimarães já havia alertado para as estranhas ligações entre o Grupo Disney e o empresário Paulo Henrique Cardoso. Ele também já advertia para o risco da seletividade da mídia demotucana. Reproduzo abaixo sua excelente postagem:
*****
A perseguição da mídia a Lula e à sua família não terminou depois que ele deixou o poder. Desde a semana seguinte à posse de Dilma Rousseff, em janeiro, que os ataques ao ex-presidente miram todo e qualquer aspecto de sua vida particular – desde os valores que cobra para dar conferências (como faz seu antecessor Fernando Henrique Cardoso desde que deixou o poder) até as atividades privadas de seus familiares.
Essa perseguição obstinada, irrefreável e interminável acaba de ganhar mais um capítulo. Neste domingo, o jornal Folha de São Paulo expõe uma neta do ex-presidente-operário, Bia Lula, de 16 anos, que integra o elenco de uma peça de teatro que recebeu financiamento de 300 mil reais da operadora de telefonia OI. A matéria insinua que o financiamento só ocorreu devido à influência de Lula.
Este post, porém, não pretende questionar a função fiscalizadora da imprensa nas democracias e, sim, a seletividade nessa fiscalização. Não é ruim que a imprensa fiscalize a vida privada dos políticos desde que não faça isso em benefício de outros políticos, tornando-se partícipe do jogo político-partidário, o que lhe retira a credibilidade, razão pela qual esses conglomerados de mídia negam até a morte que têm qualquer preferência política.
Mas o que explica, então, que as atividades privadas dos filhos de um ex-presidente de determinado partido sejam devassadas dessa forma – não poupando nem uma garota de 16 anos ao lhe reproduzir a foto em uma matéria em que, ao fim e ao cabo, chama seu avô de ladrão (nas entrelinhas) – enquanto não acontece o mesmo com os negócios para lá de esquisitos do filho de FHC Paulo Henrique Cardoso, por exemplo?
Fico imaginando o que teria acontecido se Lula tivesse feito em relação ao seu filho o que fez o antecessor em relação ao dele, enquanto ambos governavam…
Em 1996, Paulo Henrique Cardoso era casado com a filha do dono do Banco Nacional, cuja falência foi evitada por medida provisória editada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Aquela medida tornou possível a venda de parte boa do Banco Nacional para o Unibanco. A parte podre — de seis bilhões de dólares — ficou para o governo pagar. Este blogueiro se cansou de ler editoriais do Estadão defendendo a negociata.
Em 2000, dois anos antes de deixar o poder, FHC autorizou financiamento do seu governo à empresa do próprio filho, Paulo Henrique Cardoso, para montar o pavilhão brasileiro na Expo 2000 na Alemanha, na cidade de Hannover. Foram doados pelo governo federal, então, 14 milhões de reais. O Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal chiaram, inclusive. A imprensa, porém, deu algumas raras reportagens sobre o caso e nunca mais tocou no assunto, sobretudo depois que FHC deixou o poder.
A boa e velha hipocrisia da mídia dirá que tudo isso aconteceu faz tempo e tentará convencer os incautos de que naquela época foi feito um barulho sequer parecido com o que se faz hoje sob meras especulações e não sob fatos concretos como aqueles que pesavam sobre o filho do ex-presidente tucano. Contra Fábio Luís Lula da Silva, por exemplo, afirmam que financiamento da OI à empresa dele seria escandaloso. Mas alguém viu algum jornalista chamar de escandalosos os fatos sobre o filho de FHC?
E o pior é que PHC continua se metendo em negócios estranhos, para dizer o mínimo. A mídia deveria ter curiosidade sobre seus negócios porque seu pai é o líder máximo do maior partido de oposição, partido que controla governos estaduais poderosos como os de São Paulo (o mais rico do país) e Minas Gerais, sem falar da ascendência do ex-presidente sobre a grande mídia, o que faz dele político a ser agradado por empresas privadas.
Veja só, leitor, o negócio fechado no fim do ano passado pelo filho de um dos políticos mais poderosos e influentes do Brasil, um negócio sobre o qual a grande mídia não especulou nada, não quis saber nada e não publicou nada. Em 29 de novembro do ano passado a Rádio Disney estreou oficialmente no Brasil na frequência FM 91,3 MHz de São Paulo. A emissora foi negociada no começo do ano, quando a Walt Disney Company se uniu à Rádio Holding Ltda. e comprou a concessão. A Holding pertence a Paulo Henrique Cardoso, filho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e detém 71% do negócio.
Walt Disney Company é um dos maiores grupos de mídia dos Estados Unidos e esse será o seu maior investimento no Brasil. Teve que se associar minoritariamente ao filho de FHC porque a legislação brasileira não permite que empresas estrangeiras controlem veículos de comunicação. Por isso precisa de um brasileiro…
O filho de Lula, dito “Lulinha” pela mídia, recebeu acusações explícitas e incessantes por receber financiamento de uma grande empresa. Por que foi diferente com o filho de FHC? O caso deles é bastante parecido, ora. Ambos têm sócios poderosos em empresas de comunicação – “Lulinha” produz conteúdo para uma televisão UHF e Paulo Henrique é sócio de um tubarão internacional numa rádio.
É injusto dizer que há irregularidades nesses negócios de familiares dos ex-presidentes. Para expor as famílias da forma como a Folha fez com a neta de Lula, deveria haver mais do que especulações. Tanto para a família do ex-presidente petista quanto para a do tucano. Os valores que eles cobram pelas palestras, idem. Mas se a mídia quer investigar, que faça com todos os políticos e não só com aqueles dos quais não gosta.
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