247 – O prefeito Fernando Haddad acaba de soltar uma amarra.
Até a quarta-feira 30, quando a Controladoria Geral do Município
anunciou a prisão de quatro ex-altos funcionários da Secretaria
de Finanças na gestão do antecessor Gilberto Kassab, Haddad se
sentia atado a um acordo político tácito. Apoiador da presidente
Dilma Rousseff no plano federal, por meio do seu PSD, Kassab
acreditava que não teria problemas na São Paulo em que o petista
o sucedeu.
Para o prefeito atual, no entanto, a política de não agressão já lhe
custava pontos nas pesquisas de opinião. Levantamento sobre a
imagem de Fernando Haddad na população definiu-o como compe-
tente e capacitado, mas igualmente como um prefeito que os outros
políticos não deixariam trabalhar. Os estrategistas da Prefeitura
ficaram preocupados.
"Calma que as coisas irão se resolver pelo caminho da naturalidade", acostumou-se a repetir o próprio prefeito aos auxiliares que, um
tanto aflitos, o vinham procurando nos últimos meses com ideias
para marcar a diferenciação que parecia não existir entre a gestão
dele e a do antecessor. "Não trabalhamos por factóides", atalhava
Haddad.
SEM PRESSA - Com informações transmitidas direta e regularmente
pelo chefe da CGM, o ex-Coaf Marcos Vinícuis Spinelli, o prefeito sabia
há meses que algo de grande estava acontecendo em sua área de
fiscalização. E nunca demonstrou ter pressa quanto ao fim das inves-
tigações. Ontem, sem soltar nenhum grito ou exclamar qualquer im-
propério contra o antecessor, conquistou sua independência.. Ele
dribla a questão da libertação da sombra de Kassab. "Não há política
nisso. É apenas um modo de fazer a gestão da máquina pública",
completa. .
Sem ter disparado uma só frase de crítica à gestão de Kassab,
Haddad acertou em cheio não apenas no antecessor, mas igualmente
no prefeito anterior, o tucano José Serra. Afinal, o esquema de
fraudes no recolhimento do Imposto Sobre Serviços de grandes
construtoras ocorria debaixo do nariz do economista Mauro Ricardo,
um quadro diretamente identificado com Serra, de quem também
foi secretário de Finanças. "Eu tenho muito orgulho de ter criado a Controladoria", saúda o prefeito.
ALCKMIN GOSTOU - Consta que o governador Geraldo Alckmin
comemorou, com seus auxiliares, a descoberta do ninho corrupto
feito pela equipe de Haddad. Ele próprio já manifestou ao prefeito
seu interesse em instalar no Estado uma tecnologia de cruzamen-
tos de informações semelhante à implantada, em curtíssimo prazo,
pelo controlador Spinelli. "O governador já conversou comigo sobre
ter mais mecanismos de proteção do Estado", reconhece Haddad.
A sorte soprou para o lado de Haddad quanto ao momento do es-
touro do caso de corrupção, no qual já se sabe que R$ 200 milhões
em impostos foram desviados. Isso porque a notícia surgiu quando
chegam ao ápice as críticas frente aos novos valores do IPTU a ser
lançado pela Prefeitura para 2014. "Ficarei feliz em pagar meu novo
IPTU", repete o prefeito, que considera a arrecadação o ponto cru-
cial para o sucesso de sua gestão.
Com R$ 8 bilhões em convênios assinados com o governo federal –
que implicam em aportes de valores semelhantes pela Prefeitura
para serem desenvolvidos --, o prefeito já consegue bater uma
meta. Até o final do ano terá implantado 300 quilômetros de corre-
dores de ônibus na capital. Além disso, enviou à Câmara Municipal
uma proposta de Plano Diretor e o seu Plano de Metas.
PROBLEMAS À VISTA - À medida em que vai cumprindo suas
promessas – o bilhete único mensal deve, por exemplo, entrar em
circulação até o final do ano --, Haddad já vê novos obstáculos. O
Supremo Tribunal Federal está analisando recurso da Prefeitura
paulistana quanto a decisão de obrigar que todos os títulos preca-
tórios sejam pagos dentro de cinco anos. São Paulo, a cada ano,
tem um histórico de pagar apenas 3% dos precatórios que tem
contra si – e eles representam R$ 26 bilhões. Haddad acredita que,
se perder essa parada, será muito difícil viabilizar a gestão. Mas,
como ele mesmo diz, com calma, e muita batalha por recursos, as
contas podem se ajustar.
"Muito do que estamos fazendo agora não será usufruindo nessa
gestão", calcula ele, referindo-se à quebra dos juros no pagamento
da dívida com a União. Uma nova forma de cálculo já passou na
Câmara Federal, mas ainda depende do aval do Senado. Mesmo que
o futuro próximo reserve mais problemas do que soluções, o prefei-
to de São Paulo parece ter iniciado, com o estouro do ninho corrupto,
uma nova, mais agressiva e independente etapa de sua gestão.