A PETROBRÁS INCOMODA
Erro cometido na compra de Pasadena não pode
encobrir vitórias recentes na mais bem sucedida
empresa da história do país
por Marcelo Zero (*)
A Petrobras incomoda. Na realidade, a Petrobras sempre incomodou os
conservadores do país.
Pudera. Nascida da histórica campanha nacionalista “o Petróleo é nosso”,
a Petrobras se converteu naquilo que os paleoliberais consideram
praticamente uma impossibilidade: uma empresa estatal bem-sucedida e
eficiente. Ela é um acabado contraexemplo das teses antiestatais e antidesenvolvimentistas que sustentavam o fracassado paradigma
privatizante e liberalizante que ruiu no início deste século.
Assim, a Petrobras é anátema, nos cânones do (paleo)neoliberalismo
tupiniquim. Não deveria existir, mas existe. Não deveria fazer sucesso,
mas faz. A Petrobras é a maior e mais bem-sucedida empresa do Brasil.
No início, há 60 anos, diziam que o Brasil não tinha petróleo.
Convenientes estudos de geólogos estrangeiros asseguravam que não
havia jazidas de óleo em território nacional. A Petrobras, portanto, não
fazia muito sentido.
Mas ela perseverou e acabou descobrindo, graças a um enorme esforço
de pesquisa, jazidas significativas de petróleo e gás em nosso leito
marítimo. Primeiro no Nordeste; depois na Bacia de Campos. Tais
jazidas,
situadas no que hoje se conhece como pós-sal, contribuíram para
diminuir bastante a nossa dependência de importações de hidrocarbonetos.
Mesmo assim, as ofensivas contra a grande estatal brasileira continuaram.
No governo Collor, o Credit Suisse chegou a apresentar um plano para
privatizar a Petrobras. O plano privatizava a companhia por partes.
Primeiro, se venderiam as suas subsidiárias, o que, de fato, ocorreu
posteriormente. Depois, a holding seria fatiada em unidades de negócio,
as quais seriam privatizadas, em seguida.
No entanto, foi no governo FHC, que essas ofensivas se intensificaram e
se concretizaram parcialmente.
Com efeito, foi naquele governo que se promulgou a famosa Lei nº
9478/97. Essa norma produziu duas grandes consequências.
Em primeiro lugar, a Petrobrás abriu seu capital social para investidores
estrangeiros. Assim, a estatal teve 36% de suas ações vendidas na Bolsa
de Nova Iorque. Com isso, a União reduziu a sua participação acionária de
cerca de 60% para 32,53% do capital social total. Ressalte-se que essa
operação não representou o ingresso de recursos para a Petrobras, mas
proporcionou na época o aumento na sua base acionária, principalmente no
estrangeiro.
Com tal venda, a Petrobrás teve ainda de cumprir, a partir de 2002, com a
lei americana “Sarbanes–Oxley” (SOX), uma norma bastante rigorosa, que
obriga as empresas que têm ações em bolsas norte-americanas a submeterem
as suas decisões de negócios e informações às autoridades supervisoras do
mercado bursátil dos EUA.
Dessa maneira, os presidentes de Petrobrás são obrigados a ir a Nova Iorque
para prestar contas das ações da empresa e submeter-se aos duros
questionamentos dos acionistas norte-americanos. Lembre-se que muitos
desses acionistas são associados às companhias competidoras da Petrobrás.
Em segundo lugar, a Lei nº 9.478/97 introduziu, no Brasil, o modelo de
exploração por concessão. Conforme tal modelo, o petróleo e o gás são
de propriedade da empresa privada que os explora. O petróleo, nesse
caso, só pertence à União enquanto não estiver sendo explorado. Assim
que uma empresa começa a explorar uma jazida, pelo modelo de
concessão, o petróleo o gás passam a ser de sua propriedade. Com isso,
o país perdeu o controle estratégico da produção e comercialização de
hidrocarbonetos, pois a empresa concessionária podia fazer o que quiser
com a sua jazida. Com isso, o petróleo deixou de ser nosso.
Na realidade, a citada lei já estava preparando o terreno para uma
futura privatização da Petrobras. Chegou-se mesmo a se anunciar a
mudança de nome da Petrobras para Petrobrax, de modo a facilitar a sua internacionalização.
A gestão tucana da empresa também se esmerou, como de hábito, no
sucateamento da estatal, de forma a justificar a sua ulterior venda. Em
seus oito anos, nenhum concurso público para contratação foi realizado.
Ao final da gestão, a empresa tinha reduzido o seu quadro de
funcionários à metade. Além disso, os funcionários da empresa passaram
os oito anos de FHC sem ter qualquer reajuste salarial, sequer para
repor a inflação.
Não bastasse o sucateamento da Petrobras, toda a cadeia do petróleo,
que sustentava milhares de empresas nacionais, foi consideravelmente
desestruturada, ao longo das gestões neoliberais. No governo Collor
houve redução de redução de 30% das tarifas de importação para o
setor. No Fernando Henrique, foi criado o Repetro, que implantou um
regime aduaneiro especial para os insumos e bens destinados ao setor
petrolífero, pelo qual se isentava as empresas estrangeiras de imposto
de importação. Assim, muitos fornecedores nacionais tiveram de fechar
as portas.
Havia, portanto, um nítido processo de desregulamentação e de
desnacionalização que conduzia à privatização da Petrobras. A clara
intenção de privatizar só não se concretizou porque, na época, (2001),
o governo FHC já estava com sua popularidade no chão e a resistência
dos que defendiam a estatal foi muito grande.
Pois bem, os que enfraqueceram e tentaram privatizar a Petrobras são
os mesmos que agora usam do caso da compra da refinaria em Pasadena
para atacar a empresa e o governo.
Faz sentido, pois foram os governos do PT que reergueram a Petrobras.
Com concursos públicos, seu quadro de funcionários foi reconstituído.
Foi também reconstituído seu programa de investimentos. Hoje, a
Petrobras é a empresa que mais investe em prospecção de petróleo
no mundo. Ela também é a empresa do setor petrolífero que mais
expertise tem na prospecção em águas profundas e ultraprofundas.
Devido a esse esforço em prospecção e pesquisa, a Petrobras é a
empresa brasileira que mais gera patentes.
Graças a essa monumental iniciativa, a Petrobras encontrou os
megacampos do Pré-Sal, a maior descoberta de petróleo das últimas
décadas, que mudou inteiramente o cenário do nosso setor petrolífero.
Na realidade, a situação da Petrobras mudou da água para o vinho, ou
da água para óleo. Em 2002, ela valia apenas cerca de R$ 15 bilhões.
Hoje, ela vale R$ 184 bilhões, mesmo após a crise mundial ter reduzido
fortemente o valor de mercado das empresas petroleiras. Também foi
feito um grande esforço para recuperar as indústrias da cadeia do
petróleo. Plataformas e embarcações voltaram a ser produzidas no
Brasil, o que reergueu a nossa indústria naval, que fora destruída graças
à proverbial competência tucana.
Com a recuperação da empresa e com a nova realidade criada pelo
Pré-Sal, os governos do PT resolveram criar um novo marco regulatório
para o setor, que enterrou o modelo de concessão criado por FHC. Para
os campos do Pré-Sal, o que vale agora é o modelo de partilha. Nesse
novo modelo, o petróleo continua de propriedade da União, mesmo após
a jazida ser eventualmente explorada por uma empresa privada. A
empresa apenas recebe uma participação por seus serviços. Por
conseguinte, o novo marco regulatório assegurou que o petróleo do
Pré-Sal seja realmente nosso. Ademais, a nova norma também determinou
que a Petrobras seja a operadora privilegiada dos megacampos.
O petróleo, agora abundante, voltou a ser nosso.
É isso que incomoda. E muito. Se antes a Petrobras incomodava, hoje
ela incomoda muito mais. As empresas estrangeiras não podem mais
se apossar das megajazidas, como podiam na época de FHC. E, para
explorá-las, elas têm de se associar à Petrobras.
É por isso que ela é tão atacada. Instaurou-se um verdadeiro vale-tudo
para desacreditá-la. Diminuições conjunturais dos valores da empresa,
em função da queda dos preços do petróleo e derivados no mercado
mundial, são apresentadas como provas irrefutáveis de “má gestão”.
Dívidas contraídas para viabilizar a exploração do Pré-Sal são também
encaradas como sinais da “ruína financeira” da empresa. O irônico é
que a Petrobras não tem quaisquer dificuldades para captar recursos no
exterior. Os investidores e bancos estrangeiros têm plena confiança na
Petrobras.
Nesse vale-tudo, vale até apresentar uma simples compra malsucedida,
a da refinaria de Pasadena, como um grande escândalo nacional, com
conotação de negócio escuso.
O único “erro” da Petrobras, nesse caso, foi ter comprado, como várias
outras empresas fizeram, uma refinaria numa época em que havia um
boom do refino nos EUA, com os preços dos derivados aumentando
fortemente e com as margens de lucro disparando, especialmente para
o refino de óleo pesado, que era o único tipo de óleo que o Brasil
produzia na época. Saliente-se que o preço pago pela Petrobras foi
inferior aos preços de mercado, pois a nossa estatal adquiriu a refinaria
de Pasadena pagando um preço de U$ 7.200 por barril de refino, sendo
que o preço médio das aquisições, no período, foi de US$ 9.234 por
barril de refino.
Ante tal quadro, até mesmo a tão criticada cláusula “Marlim”, que
assegurava aos sócios belgas uma rentabilidade de 6,9%, não parece
tão despropositada, pois a rentabilidade média das refinarias
americanas, no período, para o refino de óleo pesado, era de cerca
de 14%. Assim, a cláusula Marlim assegurava aos belgas da Astra cerca
da metade da rentabilidade média que havia, no período, para o refino
de óleo pesado.
Outro “erro” da Petrobras foi não ter previsto a grande crise mundial,
a qual seria desencadeada dois anos depois, e a descoberta do Pré-Sal,
que mudou totalmente a estratégia de negócios da empresa. Porém, se
a Petrobras é culpada desse erro, então todas as empresas do mundo o
são, até mesmo as agências de risco, que foram criadas justamente para
isso, mas que, às vésperas da crise, davam nota AAA para os papéis podres
do mercado de derivativos.
Um deslize real foi, sem dúvida, não ter alertado os membros do Conselho
da empresa para os riscos contratuais do negócio, o que levou à aprovação
unânime da aquisição, sem todos os questionamentos possíveis. Disso se
aproveitou a nossa imprensa marota para tentar jogar o prejuízo do negócio
no colo da presidenta.
Também de forma marota, para não dizer outra coisa, a imprensa inflou
muito os números de prejuízo. Computou compra de estoques como compra
da refinaria, entre outros truques maliciosos. Na realidade, os primeiros
50% da refinaria foram comprados por US$ 196 milhões e os 50% restantes
por US$ 296 milhões, o que dá um total de US$ 492 milhões. Se a esse total
somarmos os US$ 173 milhões dos custos jurídicos, administrativos e bancários
da aquisição chegaremos a um dispêndio de US$ 665 milhões.
Mas a grande “marotice” é falar apenas do “ralo” e não falar da “torneira”.
Sim, porque a refinaria não parou de funcionar, a não ser por curto período
devido a um incêndio. O ex-presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli,
estima que a refinaria, supondo uma operação de apenas 75% de sua
capacidade, e supondo ainda uma rentabilidade nula, em relação ao barril
Brent, tenha faturado cerca de US$ 16 bilhões, entre 2006 e 2012.
Não temos dados sobre a contabilidade específica da refinaria, mas, mesmo
supondo uma rentabilidade negativa em 2008 e 2009, auge da crise, é muito
provável que o prejuízo com a compra de Pasadena já tenha sido
inteiramente amortizado, ou esteja em vias de sê-lo.
Foi por isso, aliás, que a Petrobras montou, em 2010, uma estratégia para
aumentar a capacidade de refino da sua unidade em Pasadena,
estrategicamente localizada no “canal de Houston”, de 100 mil barris/dia
para 200 mil barris/dia.
Esses são os dados verdadeiros sobre o assunto. Mas, como a Petrobras
incomoda os conservadores, e o governo do PT mais ainda, não incomoda
à oposição e à mídia conservadora atacar a imagem da maior empresa
brasileira e, como se diz popularmente, “procurar chifre em cavalo”.
Essa falta de compromisso com o Brasil é o que mais incomoda.
(*) Marcelo Zero é cientista social formado pela UNB e assessor legislativo
do Partido dos Trabalhadores
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE
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