PF ATIRA PRIMEIRO E PERGUNTA DEPOIS
EDUARDO GUIMARÃES
A sanha acusatória e condenatória que embriagou há dita “grande imprensa” acaba de ser posta a nu pela revelação de que o atual diretor de Abastecimento da Petrobrás, José Carlos Cosenza, foi acusado injustamente de receber propina de empreiteiras.
Na segunda-feira, Folha de São Paulo, Estadão, o aparato acusatório da Editora Abril, o Jornal Nacional e todo o resto da grande mídia se esbaldaram com a notícia de que Cosenza estaria envolvido no escândalo porque, até aqui, todos os funcionários da Petrobrás que foram acusados trabalharam na empresa antes da gestão da
presidente Graça Foster.
Consenza seria um prato saboroso para o aparato de
linchamento midiático da grande mídia porque, na visão
dela, através do diretor acusado seria possível fazer
ilações relativas à presidente Dilma Rousseff.
Por conta disso, o blogueiro do UOL Josias de Souza, um
dos linchadores de petistas que dá plantão 24 horas por
dia, não esperou para fazer piada com o aparecimento do
nome de Cosenza nas investigações, atribuindo à
presidente Graça Foster o papel de “maestro do Titanic”
por estar ao lado do subordinado em entrevista coletiva à
imprensa.
Trecho de post publicado por esse pistoleiro do UOL mostra
quão pouco se espera hoje na “grande” imprensa para
decretar culpas indubitáveis:
“Afundada em corrupção, a Petrobras acredita ter
encontrado uma saída para a mais grave crise de toda
a sua história. A companhia estuda criar uma nova
diretoria. Vem aí a diretoria de governança. Terá a
missão de zelar pelo “cumprimento de leis e
regulamentos”, informou Graça Foster. Vendida como
“a mais importante das ações” da estatal para superar
a crise, a provável criação do novo cargo se assemelha
à ordem do maestro do Titanic para que a orquestra
continuasse tocando enquanto o transatlântico afundava.
Graça Foster comunicou a novidade aos jornalistas do
lado de diretores da Petrobras. Entre eles o atual titular
da área de Abastecimento, José Carlos Cosenza. Que foi
denunciado pelos delatores Paulo Roberto Costa e Alberto
Youssef como beneficiário de propinas de empreiteiras(…)”
Como se vê, o critério desses jornalistas é o seguinte: surgiu a
acusação, independentemente de qualquer aprofundamento da
investigação da denúncia, a culpa estará decretada e o acusado
já começa a cumprir pena antes de sequer ter sido iniciado
eventual processo legal.
Graça Foster, que assumiu a Petrobrás após a época dos
funcionários envolvidos em corrupção, torna-se “maestro do
Titanic” e sofre ataques por estar ao lado daquele que já
começava a ser linchado.
Mas pior do que isso foi o nome de Consenza ser colocado no
inquérito e enviado para o juiz federal que cuida do caso,
Sergio Moro, e depois sabermos que este se espantou porque,
apesar de o nome do diretor de Abastecimento da Petrobrás
estar no processo, não havia um único indício de sua
participação no esquema criminoso, de modo que Moro
requereu à PF que fornecesse os dados que sustentariam
aquela acusação.
A PF responde ao juiz que incluiu o nome de Cosenza no
inquérito indevidamente. E quem aparece como um dos
responsáveis por esse “erro”? Um dos delegados que reportagem
recente do jornal O Estado de São Paulo revelou que costuma
insultar a presidente da República e seu antecessor em redes
sociais.
Surge, pois, uma dúvida: será que os desafetos de Dilma e
Lula na PF – que, por “coincidência”, são os que conduzem a
operação Lava-Jato – não acharam que, dado o atual clima de
linchamento, sustentar uma acusação com provas nem seria
necessário?
Afinal, vazar o nome de Cosenza como envolvido no escândalo
seria muito útil à responsabilização de Graça Foster e Dilma
Rousseff…
Quantos inocentes estão sendo punidos sem julgamento só por
terem sido citados por meliantes como Alberto Yousseff e Paulo
Roberto Costa? Será difícil entender que esses delatores não
são dignos da menor confiança a menos que provem suas
afirmações?
Será caso isolado, o de Cosenza, ou – o que é mais provável –
outros acusados injustamente haverão de surgir?
No que diz respeito a apuração e divulgação de notícias
envolvendo corrupção, envolvendo acusações às pessoas, a
imprensa deveria se valer dos mesmos princípios do Bom Direito.
Talvez esses jornalistas não conheçam tais princípios, de modo
que artigo de um juiz de Direito aposentado sobre o tema
poderia contribuir para ilustrar essa imprensa irresponsável.
Confira, abaixo, artigo do ex-juiz, professor e escritor João
Baptista Herkenhoff.
—–
O bom Direito
Por João Baptista Herkenhoff,
Juiz de Direito (ES) aposentado, professor e escritor
Este artigo não se refere a pessoas, mas sim a princípios
jurídicos. Suponho que a leitura será proveitosa, não
apenas para quem integra o mundo do Direito, mas para
os cidadãos em geral.
Os princípios são aplicáveis hoje, como foram aplicáveis
ontem e serão aplicáveis amanhã.
Tentarei elencar alguns princípios que constituem a
essência do Direito numa sociedade democrática.
O princípio de que, no processo criminal, a dúvida beneficia o réu permanece de pé. Resume-se nesta frase latina: In dubio pro reo.
É melhor absolver mil culpados do que condenar um inocente.
No estado democrático de direito todos têm direito a um julgamento
justo pelos tribunais. Observe-se a abrangência do pronome todos:
ninguém fica de fora. Este princípio persevera em qualquer situação,
não cabendo excepcioná-lo à face de determinadas contingências de
um momento histórico.
Ainda que líderes proeminentes de um partido politico ou de um credo
religioso estejam sendo julgados, a sentença não pode colocar no
banco dos réus o partido político ou o credo religioso. Deve limitar-se
aos agentes abarcados pelo processo.
Todo magistrado carrega, na sua mente, uma ideologia. Não há
magistrados ideologicamente neutros. A suposta neutralidade
ideológica das cortes é uma hipocrisia. Espera-se, porém, como
exigência ética, que a ideologia não afaste os magistrados do dever
de julgar segundo critérios de Justiça.
Os tribunais coletivos existem para que se manifestem as divergências.
Dos julgamentos da primeira instância, proferidos em regra por um
juiz singular, cabe recurso ao juízo coletivo, justamente para favorecer
a expressão de entendimentos divergentes. O voto vencido deve ser
respeitado.
Jamais o alarido da imprensa deve afastar o magistrado da obrigação
de julgar segundo sua consciência. Ainda que a multidão grite Barrabás,
o magistrado incorruptível caminhará sereno através da corrente
ruidosa e, se não estiver plenamente convencido da culpa do acusado,
proferirá sentença de absolvição.
A condenação criminal exige provas. Não se pode basear em ilações,
inferências, encadeamento de hipóteses, presunções, suposições. Esta
é uma conquista milenar do Direito. Mesmo que o juiz esteja
subjetivamente convencido da culpa, não lhe é lícito condenar, se não
houver nos autos prova evidente da culpabilidade.
Quando o advogado coloca seu zelo profissional na sustentação da
defesa, não está subscrevendo o delito ou colaborando para sua prática,
mas cumprindo um papel essencial à prática da Justiça. O processo
criminal é dialético, sustenta-se na ideia de ser indispensável o
confronto acusação defesa.
https://www.brasil247.com/pt/247/artigos/161078/PF-atira-primeiro-e-pergunta-depois.htm
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