quarta-feira, 11 de setembro de 2013

EX-MINISTRO FALA SOBRE O GOLPE DE 11 DE SETEMBRO, NO CHILE

Há 40 anos no Chile, por Carlos Ominani


Na noite em que as tropas militares avançaram pelas ruas de Santiago, Carlos Ominami contava com apenas 23 anos. Membro do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), naquela noite, o futuro senador e ministro de economia do primeiro governo da Concertación, encontrava-se ao lado de seus companheiros com uma granada nas mãos na luta para conter o avanço das patrulhas policiais num bairro operário. Esta lembrança e sua análise sobre o golpe e a democracia hoje no Chile compõem esta breve entrevista gentilmente cedida por Ominami ao nosso blog. Acompanhem.

Quais suas lembranças daquele 11 de setembro de 1973?
Carlos Ominami
[ Carlos Ominami] Eu era um jovem militante do MIR, tinha 23 anos quando aconteceu o golpe. Sou uma das pessoas que levaram a sério a necessidade de defender o Governo Popular e, em virtude disso, naquele dia, fui com outros companheiros do MIR ao bairro industrial Macul, uma zona operária. Ali permanecemos em uma fábrica onde havia mais de mil trabalhadores e que foi rapidamente ameaçada. Lá, chegaram patrulhas militares de forças que apoiavam o golpe e diante do total desequilíbrio de forças [entre nós e eles], decidimos sair desta indústria que se chamava Paños Continente. Nós nos refugiamos, vários dirigentes, em uma casa de segurança e nos dedicamos a armar granadas de mão, parte do dispositivo de autodefesa, mas que eram muito precárias.
Com essas granadas, nós saímos naquela noite para enfrentar uma patrulha policial. Parte delas não funcionou, mas foram suficientes para que a patrulha policial saísse dali. Depois, passei a noite e o dia seguinte em uma vila popular, protegido por pessoas que nos abrigaram e deram refúgio. Mas, como muitas outras pessoas que terminaram perdendo suas vidas horas após o golpe, nós fomos denunciados. Este testemunho, inclusive, eu dei há algumas semanas à Televisão do Chile.
Qual o balanço o sr. faz do golpe contra o presidente Allende?
[ Ominami ] As razões do golpe são múltiplas, mas têm a ver, por um lado, com a impossibilidade de levar a cabo um processo de transformações profundas sem a maioria do país. Em segundo lugar, dizem respeito à violenta reação que o processo dessas transformações provocaram no governo norte-americano e nos setores poderosos do país.  O golpe foi uma opção de parte da direita e do governo norte-americano deste princípio. Um feito da causa que se atentou contra o Comandante Chefe do Exército, que era um oficial constitucionalista, inclusive antes de Allende assumir o governo. E todos os antecedentes disponíveis hoje a respeito de como aconteceram as coisas mostram que o golpe poderia ter sido evitado.
O presidente Allende estava claramente decidido a buscar uma saída política para a crise, chamando um plebiscito para que a cidadania se pronunciasse. O mais provável – dadas as condições tão dramáticas que vivíamos – que este plebiscito fosse perdido pelo presidente Allende, o que abriria um passo para sua renúncia. Mas, justamente, conscientes de que existia essa saída pela via política, os golpistas adiantaram o golpe e evitaram que o presidente Allende pudesse fazer esse chamado pelo plebiscito. Assim, já ao meio dia de 11 de setembro de 1973, eles decidiram, frente à negativa do presidente Allende de renunciar, bombardear o palácio de La Moneda, abrindo o caminho para 17 anos de ditadura no Chile.
Como o sr. avalia a democracia hoje no Chile e, também, nos demais países da América Latina que sofreram ditaduras militares?
[ Ominami ] O Chile tem feito um grande esforço para transitar para a democracia. Foi muito importante a derrota de Pinochet no plebiscito de 1988. Este processo abriu passo para a instalação de um governo democrático a partir de março de 1990. Desde então tivemos a sucessão de cinco governos. O Chile é um país onde as liberdade básicas se estabeleceram, onde se respeitam os direitos humanos. Um país que tem sido capaz de se reinserir-se ativamente no contexto internacional. No plano interno, tem feito esforços importantes para enfrentar as grandes carências sociais e poder exibir como importante resultado a forte diminuição da pobreza.
Entretanto, há vários anos, a transição tem se esgotando e a força política que empurrou o processo da transição, a Concertação de Partidos pela Democracia, tem perdido seus impulsos renovadores. Atualmente, o Chile tem uma economia que perdeu seu dinamismo, retrocedeu em seu processo de diversificação. O Chile segue sendo altamente dependente da exportação de uma número muito reduzido de recursos naturais que se exportam com relativo pouco valor agregado. Assim como Chile fez avanços importantes na luta contra a pobreza, o país fracassou rotundamente na luta contra a desigualdade e segue sendo um dos mais desiguais do mundo, com o agravante que tem um sistema político que tem sido desprestigiado e que é muito pouco apreciado pela cidadania. Tudo isso faz, às portas de uma eleição presidencial, que o Chile enfrente grandes desafios. Existe hoje a possibilidade de configurar uma maioria democrática que retome o impulso perdido, que abra caminho para um processo constituinte destinado a dotar o Chile de uma Constituição efetivamente democrática e que deixe definitivamente para trás a Constituição de Pinochet.
Se Se isso acontecer, o Chile poderá dar um salto muito importante em seu processo de reconstrução democrática. Esse é o empenho que estamos muito comprometidos. Seria lamentável que esta oportunidade, que hoje se apresenta para nós, fosse desperdiçada.

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