quarta-feira, 11 de setembro de 2013

MIGUEL DO ROSÁRIO: JULGAMENTO DO "MENSALÃO" É GOLPE

Condenar Dirceu é a consumação de um golpe

Enviado por  on 10/09/2013 – 7:15 pm
Em certo momento da entrevista que concedeu nesta terça-feira à Fundação Perseu Abramo, o ex-ministro José Dirceu diz que cometeu muitos erros, mas nenhum deles está sendo julgado na Ação Penal 470. Dirceu provavelmente se refere a erros políticos. Um deles talvez tenha sido confiar na mídia.
Por outro lado, a “confiança” de Dirceu na mídia corporativa, também pode ser descontada como integrante da grande concertação política desenhada por Lula e pelo próprio Dirceu para ganhar eleições e dar sustentação ao governo. O que foi a Carta aos Brasileiros senão uma concessão a Roberto Marinho?
Mas o erro foi “confiar”, não o acordo em si, que foi uma ação política extremamente astuta. Pouco antes de expulsar os últimos espanhóis da América Latina, Simon Bolívar explicou a seus compatriotas que eles estavam prestes a ganhar independência política, mas recairiam imediatamente numa outra dependência, de ordem econômica, da Inglaterra. Mas que, no futuro, libertar-se-iam também dessa.
Lula fez a mesma coisa. Com sua vitória, muitas forças se libertaram; muitas outras, porém, continuaram sob tutela dos mesmos grilhões. As forças derrotadas se uniram e conspiraram à sombra. Após dois anos, a Globo conseguiu pagar sua dívida, novamente com ajuda dos americanos, mais especificamente do escritório de advocacia Debevoise & Plimpton, que primeiro acertou a parceria da Globopar com Rupert Murdoch e depois realizou a reestruturação financeira do grupo. Não foi a primeira vez que a Globo é salva pelo Tio Sam. A Abril, também em crise no início do governo Lula, receberia aporte de investidores norte-americanos e depois de um grupo sul-africano que havia feito fortuna durante o apartheid.
Assim que esses grupos se recuperaram financeiramente, eles atacaram. Quer dizer, antes aguardaram, naturalmente, a melhor oportunidade, que veio com a entrevista de Roberto Jefferson. A partir dali, tudo foi articulado nos gabinetes dos grandes grupos de mídia.
Foi montado um golpe branco, político e jurídico, que pode se consumar nesta quarta-feira, ou no dia seguinte, caso o Supremo Tribunal Federal decida não aceitar os embargos infringentes.
A vítima desse golpe não será Dirceu e outros réus, nem somente o PT, mas o regime democrático como um todo, e o conjunto da sociedade.
Mas estou seguro de que a democracia saberá organizar um contra-ataque à altura. Dirceu poderá repetir o que disse Sócrates, depois que soube o resultado de sua condenação pelos juízes de Atenas.
“Assim, eu me vejo condenado à morte por vós; mas vós estão condenados pelo crime de improbidade e injustiça. (…) Digo-vos, de fato, ó cidadãos que me condenastes, que logo depois da minha morte vos virá uma vingança muito mais severa, por Zeus, do que aquela pela qual me tendes sacrificado. Fizestes isso acreditando subtrair-vos ao aborrecimento de dar conta da vossa vida, mas eu vos asseguro que tudo sairá ao contrário. Em maior número serão vossos censores, que eu até agora contive, e vós não reparastes. E tanto mais vos atacarão quanto mais jovens forem e disso tereis maiores aborrecimentos”.
O STF e a mídia se aproveitam de uma vantagem temporária. Em primeiro lugar, usaram a seu favor a antiga confusão daquilo que a ciência política clássica, após Weber, chama de “ética da convicção” e “ética da responsabilidade”. A primeira trata dos princípios ideológicos e morais, ou seja, a convicção profunda que nos move a fazer ou não fazer tal coisa. A segunda trata da responsabilidade política e coletiva, sendo tão ou mais importante como a primeira: é quando um político tem de tomar decisões que, embora sejam contrárias a seus princípios, constituem uma ação necessária para o bem da coletividade.
Não se trata de nenhuma justificativa da corrupção política, mas de uma tese estudada há séculos pelos clássicos. Pode-se dizer inclusive que é a tese fundadora da ciência política moderna, sendo Maquiavel o primeiro autor a tratar francamente da relação entre moral e poder.

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