sábado, 12 de abril de 2014

JORNALISTA PÕE OS PINGOS NOS "I" SOBRE A ANISTIA

O ESQUECIMENTO DE BROSSARD



por Luiz Cláudio Cunha*

Ao criticar a revisão da Lei de Anistia da ditadura, o experiente ex-ministro do STF Paulo Brossard tropeçou neste espaço (ZH, 7 de abril): “A bomba do Riocentro estilhaçou os segredos e, num dado momento, o governo percebeu que a ele também interessava a anistia e, mediante transigências, ela foi aprovada”. Errado, ministro!

Como historiador honorário, sempre cioso sobre datas e fatos, Brossard esqueceu que o ato terrorista armado pelo DOI-Codi do governo Figueiredo aconteceu em 30 de abril de 1981 – 19 meses após a sanção da Lei nº 6.683. A anistia de agosto de 1979, ao contrário do que dizem os quartéis e suas vivandeiras, não é produto de um consenso nacional. É uma lei gestada pelo regime militar vigente, blindada para proteger seus acólitos e desenhada de cima para baixo para ser aprovada, sem contestações, pela confortável maioria que a ditadura tinha na Câmara dos Deputados: 221 cadeiras da Arena contra 186 do MDB.

Durante semanas, o núcleo duro do Planalto de Figueiredo lapidou com esmero as 18 palavras do parágrafo 1º do Art. 1º da lei, para infiltrar ali a expressão salvadora que abençoava todos os que cometeram “crimes políticos ou conexos com estes”. De forma ladina, decidiu-se que abusos de repressão eram “conexos” e, se um carcereiro do DOI-Codi fosse acusado de torturar um preso, ele poderia replicar que cometera um ato conexo a um crime político. Assim, em uma única e cínica penada, anistiava-se o torturado e o torturador – e instaurava-se o império da impunidade. A esperteza do regime foi aprovada por apenas cinco votos de diferença, 206 contra 201.

Agora, repetindo o que aqui escreveu em 2010, Brossard invoca a paz para defender a fossilização de uma autoanistia desenhada sob medida pelos quartéis: “Anistia pode ser mais ou menos injusta, mas não é a justiça seu caráter marcante. É a paz”, afirma Brossard.

Mas paz de quem, cara-pálida? Certamente não é a paz de cemitério dos mortos pela tortura, nem a paz de espírito dos parentes de desaparecidos políticos, muito menos a paz da consciência de quem sobreviveu aos suplícios e aos gritos de dor nas masmorras.

A indulgente desmemória proposta pelo ex-ministro olvida o essencial. Anistia não é esquecimento, é perdão. E não se pode esquecer o que não se conhece. Também não se pode perdoar o que não foi punido – privilégio de todos os torturadores ainda ilesos da ditadura sempre impune.

A ditadura não comporta amnésia. A injustiça nunca traz a paz.

*JORNALISTA
http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2014/04/12/cunha-brossard-e-a-revisao-da-anistia/

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