Um instigante artigo do jornalista Saul Leblon, do sítio Carta Maior, levanta aspectos importantes da atual discussão sobre a Petrobrás, como as razões dos liberais e conservadores em enfraquecer a empresa e o papel que ela tem a cumprir na recuperação da indústria nacional como um todo. Reproduzo aqui dois trechos significativos do texto, recomendando a leitura da íntegra, no link que vem ao final deste post.
O jogo pesado: tirar a Petrobras de campo
por: Saul Leblon
A verdade é que se fosse depender da ‘ordem natural das coisas’ o Brasil seria até hoje um enorme cafezal, sem problemas de congestionamento ou superlotação nos aeroportos, para felicidade de nove entre dez colunistas isentos.
Toda a industrialização pesada brasileira, por exemplo –que distingue o país como uma das poucas economias em desenvolvimento dotada de capacidade de se auto-abastecer de máquinas e equipamentos— não teria sido feita.
Ela representou uma típica descontinuidade na ‘ordem natural das coisas’.
A escala e a centralização de capital necessárias a esse salto estrutural da economia não se condensam espontaneamente em um país pobre.
"Num mercado mundial já dominado por grandes corporações monopolistas nessa área e em outras, esse passo, ou melhor, essa ruptura, seria inconcebível sem forte intervenção estatal no processo.
Do mesmo modo, sem um banco de desenvolvimento como o BNDES, demonizado pelo conservadorismo, a indústria e a economia como um todo ficariam comprometidos pela ausência de um sistema financeiro de longo prazo, compatível com projetos de maior fôlego.
Do ponto de vista conservador, o financiamento indutor do Estado, a exemplo do protecionismo tarifário à indústria nascente –implícito nas exigências de conteúdo nacional no pré-sal-- apenas semeiam distorções de preços e ineficiência no conjunto da economia.
É melhor baixar as tarifas drasticamente; deixar aos mercados a decisão sobre quem subsistirá e quem perecerá para ceder lugar às importações.
O corolário dessa visão foi o ciclo de governos do PSDB, quando se privatizou, desregulou e se reduziu barreiras à entrada e saída de capitais.
A Petrobrás resistiu."
(...)
"A paralisia atual da industrialização brasileira é um problema real que afeta todo o tecido econômico.
Asfixiada durante três décadas pelo câmbio valorizado e pela concorrência chinesa, a indústria brasileira de transformação perdeu elos importante, em diferentes cadeias de fornecimento de insumos e implementos.
A atrofia é progressiva.
O PIB cresceu em média 2,8% entre 1980 e 2010; a indústria da transformação cresceu apenas 1,6%, em média. Sua fatia nas exportações recuou de 53%, entre 2001-2005, para 47%, entre 2006-2010 .
O mais preocupante é o recheio disso.
Linhas e fábricas inteiras foram fechadas. Clientes passaram a se abastecer no exterior. Fornecedores se transformaram em importadores.
Empregos industriais foram eliminados; o padrão salarial do país foi afetado, para pior.
É possível interromper essa sangria, com juros subsidiados, incentivos, desonerações, protecionismo e ajuste do câmbio, como está sendo feito pelo governo.
Mas é muito difícil reverter buracos consolidados.
O dinamismo que se perdeu teria que ser substituído por um gigantesco esforço de inovação e redesenho fabril, a um custo que um país em desenvolvimento dificilmente poderia arcar.
Exceto se tivesse em seu horizonte a exploração centralizada e soberana, e o refino correspondente, das maiores jazidas de petróleo descobertas no século 21.
Esse trunfo avaliza a possibilidade de se colocar a reindustrialização como uma resposta política do Estado brasileiro à crise mundial.
Nada disso pode ser feito sem a Petrobrás.
Tirá-la do campo em que se decide o futuro do Brasil: esse é o jogo pesado que está em curso no país."
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