O cerco do Judiciário à prefeitura de São Paulo
Poder impõe ao município novas despesas, mas o impede de tributar elites. Jamais submetidos a voto popular, juízes creem-se no direito de decidir pela sociedade
Por Percival Maricato, no GGN | Imagem: Angeli
De um lado, o poder Judiciário veta o aumento do IPTU. De outro, exige continuidade da Inspeção Veicular, e também que a prefeitura paulistana construa creches para 150 mil crianças. Para completar o cerco ao prefeito Fernando Haddad, a Justiça do Trabalho veta a contratação de terceirizados para cuidarem dessas creches – ou seja, exige que os funcionários sejam contratados diretamente pela administração municipal, já por demais onerada, pesada, com remuneração e benefícios bem maiores, pagos pelo erário público (por nós).
A situação poderá se agravar com a esperada decisão do STF sobre pagamento de precatórios. Nesse caso, é justo que as pessoas recebam mais rapidamente do que gostariam os prefeitos e governadores, mas, em certos casos, como fará a prefeitura de São Paulo, se a gestão anterior já não conseguia atender tantas imposições se arrecadou menos, ou quando muito, o mesmo valor?
Onde o prefeito irá buscar recursos? O Poder Judiciário não se preocupa com essa questão de somenos. Dizem as decisões que os governantes (leia-se Haddad) têm que cumprir previsões postas em lei, atender a comunidade. Avança na terra de ninguém, onde deveria haver a separação mais nítida de competências de cada poder, uma questão sempre tormentosa no sistema democrático.
Mas e quanto a esse mesmo Judiciário? Consta do artigo 5º, item LXXVIII da Constituição Federal que a todos é assegurada a duração razoável na tramitação de processos. É razoável esperar 20 anos por uma decisão judicial, como já se tornou comum? Que tal o Judiciário cumprir suas obrigações com presteza , inclusive com a mesma prefeitura, que cobra centenas de milhões em impostos não pagos, em processos que duram décadas e acabam arquivados?
Estamos perante delicada situação. Mesmo deixando de lado a ideologia de parte dos juízes, tem acontecido no Judiciário um fenômeno chamado judicialização da política ou ativismo judicial, puxado principalmente pelo STF e com intensa participação da Justiça do Trabalho.
Em vez de se limitar a interpretar e aplicar a lei, os juízes tomam decisões com caráter político ou administrativo. Avançam celeremente sobre espaços do Legislativo e do Executivo. Anda no mesmo rumo o Ministério Público. Em São Paulo, promotores exigiram que o prefeito tirasse os taxis dos corredores de ônibus. Desde quando isso é uma decisão do Ministério Público? Nada a estranhar se decidirem também o trajeto dos ônibus.
Há nisso tudo um risco para o Estado Democrático de Direito. Muitas vezes, essa tendência ocorre porque o Judiciário é provocado pelos cidadãos ou parlamentares ou porque o Legislativo é omisso. Se este não decide sobre o casamento homoafetivo, os juízes o fazem.
O nada sutil presidente do STF Joaquim Barbosa já ameaçou o Legislativo, poder equivalente, por relutar na cassação de deputados, quando e como ele determinara. A judicialização da política é um risco que a sociedade terá que conviver nos próximos anos, enquanto busca alternativas à definição de limites precisos para as decisões do Judiciário.
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