247 - Há tempos um discurso presidencial não irritava tanto a direita brasileira, como aconteceu nesta quarta-feira. Em Nova York, ao abrir a Assembleia-Geral das Nações Unidas, a presidente Dilma Rousseff teve coragem para enfrentar um tema sensível, no momento em que países do Ocidente, tendo os Estados Unidos à frente, lideram uma nova ação militar contra países como Síria e Iraque, onde se escondem militantes do Estado Islâmico. De acordo com a presidente Dilma, uma nova onda de violência, que não enfrente a raiz dos problemas, irá apenas gerar uma escalada ainda maior de violência.
Eis o que disse a presidente Dilma sobre a questão:
Não temos sido capazes de resolver velhos contenciosos nem de
impedir novas ameaças. O uso da força é incapaz de eliminar as
causas profundas dos conflitos. Isso está claro na persistência da
Questão Palestina; no massacre sistemático do povo sírio; na
trágica desestruturação nacional do Iraque; na grave insegurança
na Líbia; nos conflitos no Sahel e nos embates na Ucrânia. A cada
intervenção militar não caminhamos para a Paz mas, sim, assistimos
ao acirramento desses conflitos. Verifica-se uma trágica multiplicação do
número de vítimas civis e de dramas humanitários. Não podemos
aceitar que essas manifestações de barbárie recrudesçam, ferindo
nossos
valores éticos, morais e civilizatórios. O Conselho de Segurança tem encontrado dificuldade em promover a solução pacífica
desses conflitos. Para vencer esses impasses será necessária uma
verdadeira reforma do Conselho de Segurança, processo que se arrasta
há muito tempo. (...) Um Conselho mais representativo emais legítimo
poderá ser também mais eficaz. Gostaria de reiterar que não podemos permanecer indiferentes à crise israelo-palestina, sobretudo
depois dos dramáticos acontecimentos na Faixa de Gaza. Condenamos
o uso desproporcional da força, vitimando fortemente a população
civil, especialmente mulheres e crianças. Esse conflito deve ser
solucionado e não precariamente administrado, como vem sendo.
Negociações efetivas entre as partes têm de conduzir à solução de
dois
Estados – Palestina e Israel – vivendo lado a lado e em segurança,
dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas.
O que há de errado nesse argumento? Será que a "Guerra ao Terror",
promovida pelos Estados Unidos no Iraque realmente semeou a paz?
Será que a intervenção ocidental em países como Egito e Líbia deu
origem a países estáveis? Será que a carnificina recente promovida por
Israel na Faixa de Gaza, com o assassinato impune de 2,2 mil inocentes,
liderado por Benjamin Netanyahu, plantou o amor no coração dos
palestinos?
Dilma disse o óbvio. A escalada da violência irá produzir, apenas, mais
violência.
No entanto, para a imprensa brasileira, com destaque para o jornal
O Globo, a presidente Dilma foi tratada quase como uma militante
jihadista do Estado Islâmico, pronta para decapitar cabeças.
Na capa, duas chamadas para seus "autoelogios", como se o discurso
fosse uma peça de campanha política, e para o fato de ela não se
opor "à atuação contra o Estado Islâmico". A imagem principal, de
um Barack Obama focado, também já denota o alinhamento ideológico
da família Marinho.
Internamente, o editorial "Palanque em Nova York" acusou a presidente
de usar o "vestido vermelho PT" na ONU e de se colocar ao lado de
"sectários muçulmanos, que adotam costumes medievais". Na coluna
"Uso indevido", Merval Pereira disse ter sentido "vergonha alheia" pelo
discurso de Dilma. Por fim, houve espaço para um artigo do embaixador
Luiz Felipe Lampreia, que foi embaixador no governo FHC, afirmando
que, com discursos como o de ontem, o Brasil fica cada vez mais
distante de tornar-se membro do Conselho de Segurança das Nações
Unidas.
O fato é que, no entanto, enquanto esteve alinhado aos Estados Unidos,
o Brasil jamais teve suas pretensões diplomáticas levadas a sério.
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