quinta-feira, 17 de março de 2011

E O CAOS FERROVIÁRIO, NINGUÉM VÊ?

Uma das coisas que mais me irritam no Brasil, e isso vem de longe, é o desmantelamento do transporte ferroviário nacional, desde antes das privatizações de Fernando Henrique, mas agravado por elas. O Brasil é um dos poucos países de economia pujante que transporta quase toda sua produção em caminhões, o que eleva custos, polui, e provoca milhares de acidentes com vítimas por ano.

Não há justificativa técnica ou econômica para este absurdo. A única explicação que encontro é que o lobby das fabricantes de automóveis e caminhões, junto com as distribuidoras de petróleo vem corrompendo os vários governos para que permitam tamanha distorção. 
Talvez os muito jovens nem saibam o que é viajar de trem, porque no Brasil de hoje só existem três ou quatro pequenos trechos explorados pelo Turismo, como a Curitiba-Paranaguá (na verdade, termina em Morretes). Quando estudava em Mogi das Cruzes, em 1977, eu ia de Taubaté a Mogi de trem, todas as segundas-feiras.
Na Holanda, viajo principalmente de trem. Para ir de Delft a Haia, em quinze minutos, há oito trens por hora! É assim em qualquer país civilizado, na Europa, no Japão, no Canadá. Só o Brasil prefere as rodovias. 
Nesta entrevista publicada no excelente jornal Brasil de Fato (compre nas bancas ou assine, até para apoiar um dos poucos órgãos sérios da imprensa brasileira), um especialista descreve o mal que os governos fizeram a nossas ferrovias e ao País. Transcrevo apenas uma parte, recomendando que leiam a íntegra no site do jornal:


Privatizadas, ferrovias patinam no Brasil

Setor, que seria alternativa à dependência das rodovias no Brasil, patina nas mãos de um monopólio

14/03/2011

Pedro Carrano
de Curitiba (PR)

Acidentes em trens de cargas, descarrilamentos e até denúncias de trabalho escravo viraram rotina na vida das concessionárias que se apropriaram dos ramais ferroviários brasileiros desde a década de 1990. Naquela época, sob gestão do BNDES, houve a quebra do monopólio público. Desde então, as promessas de ampliação e modernização da malha ferroviária não se concretizaram. As principais empresas controladoras hoje são a Vale e a América Latina Logística (ALL). Como demonstra o especialista Paulo Sidnei Ferraz, a população é refém de um modelo de transportes dependente do modal rodoviário, que responde ao interesse econômico do frete rodoviário e mantém a lucratividade nas mãos de dois grupos privados nas ferrovias. Uma alteração desse quadro passaria pela retomada do monopólio público. Em entrevista ao Brasil de Fato, Ferraz, diretor do Sindicato dos Engenheiros do Paraná (Senge-PR), analisa que a matriz de transporte ferroviário e a navegação de cabotagem, no lugar do rodoviário, seriam saídas para o tema ambiental e para a diminuição da queima de combustível.

Brasil de Fato – Quais empresas detêm o monopólio das ferrovias no Brasil e que prejuízo causam para a população?
Paulo Sidnei Ferraz – Transcorridos 14 anos da desestatização das ferrovias no Brasil, temos a desativação de vários ramais, ou seja, 40% da malha arrendada aos concessionários, que isolou tradicionais cooperativas, assim como prejudicou médios e pequenos produtores. Outro problema sério é a falta de modernização e aumento real da frota de locomotivas, que impede a ampliação da oferta de transporte ferroviário, sendo apenas atendidos os clientes de maiores volumes. Então temos hoje um monopólio privado do transporte ferroviário no país, concentrado nas mãos da América Latina Logística (ALL) e da Vale, sendo parceiros de outros monopólios ou cartéis de controladores de grãos, minérios, cimento etc.

Isso está casado com a condição da economia brasileira, que tem como um dos eixos a exportação de commodities?
O Brasil continua a ser um exportador de matérias-primas, por isso os principais corredores de transportes se destinam aos portos. Sem nenhum compromisso com o desenvolvimento do nosso país, as concessionárias otimizaram as frotas de vagões e locomotivas, concentrando-se nos maiores clientes. Com isso fecharam quase todas as estações, desativaram extensos ramais e isolaram tradicionais clientes dependentes da ferrovia, focando só no atendimento dos fluxos de maior margem de lucro. Sendo uma concessão pública, os governos não deveriam permitir essa seletividade para os maiores grupos, afinal a ferrovia é indutora do desenvolvimento.

O que significam os acidentes constantes e as denúncias sobre a ALL? É um sinal de decadência desse modelo privado?
A situação geral dos bens das ferrovias é a decadência do sistema, só a Agência Nacional de Transportes Terrestres [ANTT] não quer ver. As ações, tanto do Ministério Público Federal como da Polícia Federal, têm comprovado que o modelo de privatização implementado pelo BNDES, em 1996, foi um verdadeiro fiasco. Segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes [CNT], a participação do modal ferroviário na matriz de transporte do Brasil deu marcha ré. Os fretes não baixaram [de preço] como previam os promotores da desestatização. Não houve modernização dos equipamentos de tração, muito pelo contrário, hoje a idade da frota é maior e o patrimônio está em ruínas.

Esse sucateamento foi patrocinado, na década de 1990, pelo BNDES. Quais foram os prejuízos que esse processo acarretou para a economia brasileira?
A premissa do BNDES dizia que não havia recursos públicos para alavancar o sistema ferroviário, com objetivo de mudar a matriz de transporte do país e baratear o custo dos fretes. Garantia que o setor privado tinha dinheiro para injetar o salto da modernização e ampliação da capacidade do sistema. Como essa fonte não jorrou, o banco estatal teve que aportar recursos públicos para alimentar as concessionárias, injetando bilhões em operações de aquisição de material ferroviário de resultados pífios. Para impedir o fiasco total do processo de desestatização, o BNDESPAR (carteira do BNDES acionária de várias empresas) acabou virando sócio da ALL e levou ainda os fundos de previdência de empresas públicas: Funcef, Prévi, Petros, Postalis, Sabesprevi, Forluz etc.

O modelo de modais ferroviário é uma alternativa de baixo consumo de energia e preservação do meio-ambiente, se comparado ao modelo de rodovias?
O serviço de transportes no Brasil é o responsável pela queima maior de combustíveis, motivo pelo qual interfere diretamente na busca de uma nova matriz energética para o país. E a nossa matriz de transporte concentra dois terços do volume total de cargas deslocadas por rodovias, que é o modal de maior impacto ambiental. Para transportar cada tonelada de carga por mil quilômetros, são consumidos por hidrovia cinco litros de combustíveis, por ferrovia são 10 litros e rodovia 96 litros, ou seja, quase nove vezes por caminhão se comparado aos trens. Chamamos a atenção também para os custos sócio-ambientais de transportes (inclui acidentes, poluição atmosférica e sonora, consumo de espaço e água). Para o transporte de 100 toneladas/quilômetro por hidrovia custa 0,23 dólar, por ferrovia 0,74 dólar e por rodovia 3,20 dólares. Esses números mostram a opção errada ao se priorizar projetos rodoviários quando existem alternativas de soluções através de modais menos impactantes. Aqui no Paraná, enquanto devíamos estar construindo mil quilômetros de ferrovias e outros tantos de hidrovia, assim como estimulando a cabotagem (navegação realizada entre portos interiores), fala-se em investir mais de R$ 1 bilhão numa rodovia “Interportos”. Aliás, o título escolhido para a obra parece ter saído de algum gabinete parlamentar, pois é uma afronta à inteligência: a menor distância entre os portos é uma linha quase reta pelo mar e lá a aquavia já está pronta!

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