sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

COINCIDÊNCIAS ENTRE AS OPOSIÇÕES, NO BRASIL E NA VENEZUELA


CUBA, VENEZUELA E BRASIL


Quem quer agitar um velho 

espantalho da Guerra Fria

Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi 
correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. 
Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

Num   momento em que o publicitário aposentado Enio Mainardi pede 
“contrarrevolução já” e apela para golpe militar para impedir que uma 
aliança formada pelo presidente venezuelano Nicolas Maduro, Lula, Dilma 
e Fidel Castro transforme nosso Continente numa “ex-Democracia, 
comandada por líderes comunistas”, convém definir o que pode haver 
de realidade além do folclore anacrônico e ridículo. 
Em 25 minutos imperdíveis, o jornalista Igor Fuser foi a GloboNews para 
dar uma aula impecável sobre a realidade venezuelana desde a chegada 
de Hugo Chávez ao poder, uma década e meia atrás. Quem não assistiu 
não pode perder a oportunidade.
Há mais de uma década que a oposição brasileira procura  semelhanças 
entre o governo Lula-Dilma e Hugo Chávez. Esses paralelos fazem parte 
daquelas fantasias comuns no período da Guerra Fria que continuam  
reproduzidas pela turma que não aproveitou a globalização para ler jornais 
melhores. 
Chávez chegou ao poder como um político de formação revolucionária, 
com um compromisso favorável a mudanças radicais que nunca fizeram 
parte do horizonte de Lula. 
A partir de uma perspectiva diferente, Chávez também teve uma atuação 
diferente, de quem fazia apostas na mobilização popular para enfrentar e 
derrotar a elite de seu país – em vez de procurar o consenso e a negociação, 
que sempre foram instrumentos prediletos de Lula. No plano internacional, 
o presidente brasileiro teve uma convivência com o presidente George W Bush 
que seria considerada inaceitável por Chávez.
 O que há de mais parecido nos dois países não são os governos, mas a postura 
de suas oposições diante do processo de mudança social em curso na Venezuela 
e no Brasil. 
 Derrotada nas urnas há 15 anos, sem intervalos, a oposição venezuelana fez 
diversas tentativas de impedir a consolidação de Hugo Chávez no poder. Deu 
um golpe de Estado de 72 horas, no início de 2002. Apesar do apoio 
incondicional da Embaixada americana, que usou sua influencia para pedir o reconhecimento imediato do novo governo, o repúdio internacional – 
inclusive do governo Fernando Henrique Cardoso – levou à restauração 
democrática e permitiu o retorno de Chávez ao poder.
 No final daquele mesmo ano, a oposição ensaiou um segundo golpe. Paralisou 
as refinarias de petróleo  – responsáveis por 90% das divisas necessárias a 
compra de bens de primeira necessidade, inclusive alimentos e roupas – numa 
tentativa de sufocar a economia e forçar a queda do governo. Já eleito novo 
presidente, Lula teve um papel essencial no desarme da crise. Anunciou que 
no primeiro dia da posse a Petrobrás iria enviar um navio de petróleo em 
direção a Caracas. Lula também articulou, com presidentes de países vizinhos, 
o apoio a convocação de um referendo revocatório, pelo qual Chávez 
consultaria a população sobre sua permanência na presidência. Inicialmente 
desconfiado, Chávez acabou concordando com a iniciativa. Venceu o referendo 
sem dificuldade, ampliando sua base política de apoio.
 No episódio seguinte, a oposição apostou na criação de uma nova crise a 
partir de uma decisão suicida. Convencidos de que não teriam chances de 
obter uma parcela importante das cadeiras na Assembleia Nacional, seus 
lideres boicotaram as eleições parlamentares. A ideia era  retirar a legitimidade 
de toda decisão que saísse do Legislativo para forçar uma nova paralisia do 
governo e facilitar novas iniciativas de isolamento internacional. Mais uma 
vez, deu errado. Mesmo sem oposição parlamentar, o governo Chávez foi 
capaz de agir dentro de um quadro coerente com a relação de forças do país. 
Manteve a iniciativa política,   aprovou medidas de acordo com seu programa 
mas dificilmente será acusado – a sério – de aproveitar-se da retirada de seus 
adversários para cometer aventuras políticas. Na prática, era acusado de 
monopolizar o poder por uma oposição que fora reduzida, por decisão de sua 
única responsabilidade, a  um papel de comentar os atos do governo.
O que se vê, na atitude da oposição venezuelana é uma visão clara e radical 
da situação política. Não é capaz de aceitar, democraticamente, um 
prolongado quadro institucional desfavorável, marcado por sucessivas derrotas 
eleitorais que, de uma forma ou de outra, têm resultado em medidas que a 
maioria da população aprova. Seu horizonte é o da ruptura e do golpe de 
Estado, convencida de que, se fizer sua parte, isto é, demonstrar competência 
para produzir a queda de Nicolas Maduro, não lhe faltará o necessário apoio 
dos Estados Unidos para consolidar a nova ordem.
 Em 2002, com George W Bush na Casa Branca, a política de combate ao 
chamado “Eixo do Mal” assegurou um papel ativo de emissários norte-
americanos a  Caracas, a tal ponto que muitas posições na embaixada 
americana passaram ao controle de veteranos de operações anti-comunistas 
na América Central, os contras que atuaram na Nicarágua e El Salvador. Com 
Barack Obama, a Casa Branca manteve-se numa posição menos ativa, ainda 
que, nos últimos dias, com a evolução da crise em Caracas, tenha feito 
exigências fora do tom diplomático aceitável. A presença de aliados de 
Maduro nos principais países vizinhos, a começar pelo governo brasileiro, 
de longe o Estado mais influente da região, é um elemento poderoso de 
dissuasão contra um envolvimento maior dos EUA. A reação firme contra o 
golpe que derrubou o presidente Lugo, no Paraguay, tem algo a ver com isso.
 Os médicos cubanos se tornaram uma obsessão da oposição brasileira depois 
de terem ocupado o mesmo lugar na estratégia da oposicáo venezuelana.  
Cheguei a visitar centros de saúde da periferia de Caracas e também 
entrevistei o responsável pela Organização Pan Americana de Saúde, que 
possui estatísticas capazes de mostrar o progresso ocorrido nas regiões 
mais pobres do país.
Embora a oposição faça questão de desqualificar médicos cubanos, é difícil 
negar oferecem aos venezuelanos um cuidado e um tratamento a que eles 
jamais tiveram acesso. Ganham muito menos do que os rendimentos 
auferidos pelos médicos do país. Mas é justamente por isso que são capazes 
de prestar serviços que jamais puderam ser oferecidos aos venezuelanos 
pobres. Alguma semelhança com o Mais Médicos? 
Com uma dependência histórica das exportações de petróleo, um mercado 
interno relativamente pequeno, a Venezuela pagou um preço mais alto do 
que o Brasil pela crise internacional iniciada em 2008. O crescimento 
econômico caiu, a inflação subiu, o desemprego aumentou. Mas mesmo 
assim, Chávez conseguiu se eleger – já doente terminal – e seu sucessor 
nomeado, Nicolas Maduro, foi escolhido como novo presidente, numa prova 
de que a população resiste na defesa de suas conquistas.
No Brasil, que vive uma situação objetiva mais confortável, a oposição 
precisa do pessimismo psicológico como uma política permanente. 
Compreende-se. Com índices excelentes de emprego e de contínua 
distribuição de renda, é complicado travar uma discussão eleitoral aberta, 
a partir de argumentos racionais e propostas objetivas. É necessário alimentar 
o tumulto, criar a desesperança, forjar o medo.
 Publicitários sabem fazer isso.
 Em 1962, Juarez Bahia perdeu o emprego de redator chefe do Correio da 
Manhã, então o mais influente jornal brasileiro, quando se recusou a engajar 
a publicação numa campanha para obrigar o governo João Goulart a 
(advinhou!) romper relações com Cuba.
As  mais aplicadas partidários da ruptura, nos meios de comunicação, eram 
as filiais das grandes agencias de publicidade norte-americanas.
Dois anos depois da saída de Juarez Bahia, o Correio fez o editorial “Basta!”, 
quando deixou o campo da democracia, onde havia firmado uma invejável 
tradição, para apoiar o golpe militar que derrubou Goulart.
http://istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE  

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