VILLA, UM BANDEIRANTE VIRTUAL
CARLOS ODAS
Nesta terça-feira, 3, o Brasil 247 reproduziu conteúdo
do último artigo de Marco Antônio Villa, historiador
tucano; sendo este um dos espaços mais democráticos que
temos, decidi dialogar com o referido artigo, em contribuição
ao site. Não pretendo contestar parágrafo por parágrafo as
desonestidades intelectuais do professor porque, sinceramente,
me falta tempo para isso no momento. Talvez seja, também,
desnecessário. Não é possível que Villa não tenha já exata
noção de quem é e do que representa. Não me parece ter mais
pretensões de ser levado a sério no ambiente acadêmico; jamais
vi argumento de sua lavra servir, mesmo à direita, para comprovar
o que quer que fosse, pois o que tece não é fruto de raciocínio
lógico e observação mas de suas escolhas pessoais. Ou seja,
os conteúdos que produz são absolutamente idiossincráticos,
resultado de seu ódio pela esquerda, em geral, e pelo PT em
particular. Quando um acadêmico substitui métodos de análise
pela sua própria opinião e preferências, só pode produzir fraudes.
É o que faz Marco Antônio Villa. Tenho pena de seus alunos.
No artigo a que me refiro, ele vaticina: o governo Dilma acabou.
Então podemos começar lembrando que o professor afirmou o
mesmo sobre o governo de Lula em 2005, no auge da crise do
mal chamado "mensalão"; do mesmo modo, previu o "fim
melancólico" – sim, além da fraude intelectual, Villa abusa
dos clichês – para o governo do PT em 2010 e, durante as
eleições municipais de 2012, cometeu alguns artigos
"explicando" porque Lula vivia seu crepúsculo como liderança
influente, dadas as chances eleitorais de seu candidato em
São Paulo àquela altura. Villa é assim: faz previsões, elas
não se confirmam, ele faz de conta que não as fez e as publica
novamente. Um dia, evidentemente, o PT perderá as eleições
presidenciais e, se Villa estiver vivo e em pleno gozo de suas
faculdades mentais, poderá dizer: acertei! Não há indícios
fortes, como gostaria o professor, de que será nessas eleições
que seus vaticínios se confirmarão.
No entanto, apenas seu posicionamento em relação aos
governos do PT não seria suficiente para traçar um panorama
do mal que esse senhor já tentou impingir à discussão política
no Brasil; suas diatribes, nesse caso, são apenas fruto de ódio
e interesse político. Ademais, é um direito seu ser antipetista,
como o é expressar-se acerca disso, inclusive mentindo. Mas,
como historiador que diz ser, deveria ser mais comedido com a
História e não tentar revisá-la a partir de interesses subalternos
da matriz ideológica à qual se afiliou. O ódio brutal de Villa
contra o PT é, de um ponto de vista intelectual, anterior ao PT.
Ele se pensa um "bandeirante" da academia e, assim, dedica
parte de seus esforços em deslegitimar a agenda política mais
bem sucedida no Brasil do Século XX: o trabalhismo. Deforma
o legado de Getúlio Vargas e da agenda trabalhista ao passo
que busca argumentos – do mesmo quilate dos que forja para
sustentar suas previsões – para legitimar o arbítrio golpista de
1964 e o arranjo chamado "transição", que postergou a escolha
direta dos brasileiros nas eleições presidenciais para além dos
estertores do regime militar e serviu para tirar os militares da
cena política preservando todos os interesses que os
mantiveram nela durante a ditadura. E esse é justamente o
termo que Villa gostaria que revíssemos: para ele, o golpe de
64 não implantou uma ditadura no Brasil, mas a resistência
armada de parte da esquerda é que seria a grande responsável
pelo único golpe que ele reconhece – aquele dado dentro do
próprio governo golpista –, o famigerado Ato Institucional
Nº 5, de 1968. Para além, segundo Villa, a ditadura –
implantada em 68, e não em 64 – teria acabado em 1979,
com a assinatura da Lei da Anistia. Seu argumento é:
liberdades relativas, antes de 68 e depois de 79, autorizariam
a reclassificar esses períodos como não autoritários. Assim o
professor, supõe-se, sustenta que a democracia, a cidadania
e os direitos civis não precisam ser plenos; meia democracia
já vale.
Parece estapafúrdio e, de fato, é; nem a direita o levou a sério,
mais uma vez. Mas obedece a um método, a uma tese, a um
pensamento: a esquerda deve ter deslegitimada sua participação
política de toda forma e não deve figurar na história senão c
omo assassina, equivocada ou incompetente; se possível, uma
mescla disso tudo. É falso. É desonesto. A esquerda, em sua
ampla maioria em nosso país, foi forjada na luta democrática,
por mais direitos e participação, nunca por menos. E o pensamento
mais influente nesse espectro político sempre buscou o caminho
do socialismo democrático – coisa que, pelas premissas falsas
colocadas por Villa, seria em si uma incongruência. Não é. As
perspectivas de esquerda mais bem sucedidas no Brasil sempre
estiveram mais associadas ao estado de bem estar social do que
às experiências autoritárias detrás da Cortina de Ferro. O professor
confunde – para confundir – os símbolos da luta de esquerda no
Brasil, fortemente influenciado pelo simbolismo revolucionário
comunista, como em toda a América Latina, com a agenda real
das esquerdas desde a metade do Século XX: a construção de
uma democracia de massas, com mercado interno desenvolvido e
valores identificados no socialismo utópico. Se os governos do PT
contribuem mais – ou menos – para essa construção, podemos
discutir, mas desde que o debate se ancore em premissas
verdadeiras e não nas escolhas políticas de Villa.
O professor sabe que o governo Dilma não acabou, que o país
não está emperrado e que quem seria capaz de lançá-lo à lona
em nome de seu projeto de poder é a oposição pela qual ele
milita, não o PT. Se já o fizeram quando no governo, por três
vezes em sete anos, porque não o fariam para voltar a ser
governo? Villa desqualifica o debate político; esse é seu papel,
aliás, e ele sabe disso.
http://www.brasil247.com/pt/247/artigos/142271/Villa-um-
bandeirante-virtual.htm
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