247 - O deputado João Paulo Cunha (PT/SP), ex-presidente da
Câmara dos Deputados e réu condenado na Ação Penal 470,
escreveu uma carta aberta ao presidente do Supremo Tribunal
Federal, Joaquim Barbosa, que poderá prendê-lo assim que
regressar das férias na Europa. Leia abaixo:
Carta aberta ao ministro Joaquim Barbosa
Por João Paulo Cunha
Caro ministro Joaquim Barbosa, há poucos dias, em entrevista,
o senhor ficou irritado porque a imprensa publicou a minha opinião
sobre o julgamento da ação penal 470 e afirmou que não conversa
com réu, porque a este só caberia o ostracismo.
Gostaria de iniciar este diálogo lembrando-lhe da recente afirmação
do ex-ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal: "O Judiciário
tende a converter-se em um produtor de insegurança" e que "o que
hoje se passa nos tribunais superiores é de arrepiar". Ele tem razão.
E o julgamento da ação penal 470, da qual V.Exa. é relator,
evidencia as limitações da Justiça brasileira.
Nos minutos finais do expediente do último dia 6 de janeiro, o
senhor decretou a minha prisão e o cumprimento parcial da sentença,
fatiando o transitado e julgado do meu caso. Imediatamente
convocou a imprensa e anunciou o feito. Desconsiderando normas
processuais, não oficializou a Câmara dos Deputados, não
providenciou a carta de sentença para a Vara de Execuções Penais,
não assinou o mandato de prisão e saiu de férias. Naquele dia e
nos subsequentes, a imprensa repercutiu o caso, expondo-me à
execração.
Como formalmente vivemos em um estado democrático de direito,
que garante o diálogo entre o juiz e o réu, posso questionar-lhe. O
caso era urgente? Por que então não providenciou os trâmites jurídicos exigidos e não assinou o mandato de prisão? Não era urgente? Por
que então decretou a prisão de afogadilho e anunciou para a imprensa?
Caro ministro, o senhor pode muito, mas não pode tudo. Pode
cometer a injustiça de me condenar, mas não pode me amordaçar,
pois nem a ditadura militar me calou. O senhor me condenou sem
me dirigir uma pergunta. Desconsiderou meu passado honrado, sem
nenhum processo em mais de 30 anos como parlamentar.
Moro na periferia de Osasco há 50 anos. Trabalho desde a infância e
tenho minhas mãos limpas. Assumi meu compromisso com os pobres
a partir da dura realidade da vida. Não fiz da fortuna minha razão de
existir, e as humilhações não me abatem, pois tatuei na alma o lema
de dom Pedro Casaldáliga: "Minhas causas valem mais do que minha
vida".
O senhor me condenou por peculato e não definiu onde, como e
quanto desviei. Anexei ao processo a execução total do contrato de
publicidade da Câmara, provando a lisura dos gastos. O senhor deve
essa explicação e não conseguirá provar nada, porque jamais
pratiquei desvio de recursos públicos. Condenou-me por lavagem
de dinheiro sem fundamentação fática e jurídica. Condenou-me por
corrupção passiva com base em ato administrativo que assinei (como
meu antecessor) por dever de ofício.
Por que me condenou contra as provas documentais e testemunhais
que atestam minha inocência? Esclareça por que não aceitou os
relatórios oficiais do Tribunal de Contas da União, da auditoria interna
da Câmara dos Deputados e da perícia da Polícia Federal. Todos
confirmaram que a licitação e a execução do contrato ocorreram em consonância com a legislação.
Desafio-lhe a provar que alguma votação tenha ocorrido na base da
compra de votos. As reformas tributária e previdenciária foram
aprovadas após amplo debate e acordo, envolvendo a oposição,
que por isso em boa parte votou a favor.
Um Judiciário autoritário e prepotente afronta o regime democrático.
Um ministro do STF deve guardar recato, não disputar a opinião
pública e fazer política. Deve ter postura isenta.
Despeço-me, senhor ministro, deixando um abraço de paz, pois
não nutro rancor, apesar de estar convicto – e a história haverá
de provar – que o julgamento da ação penal 470 desprezou leis,
fatos e provas. Como sou inocente, dormirei em paz, nem que seja injustamente preso.
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/128888/A-carta-aberta-de-Jo%C3%A3o-Paulo-a-Joaquim-Barbosa.htm
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