quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

EL PAÍS COMENTA PAPEL DO BRASIL NA AMÉRICA LATINA

Argentina perde influência na América Latina diante de um Brasil emergente

El País
Soledad Gallego-Díaz
Em Buenos Aires (Argentina)
  • Barack Obama anunciou viagem ao Brasil durante o discurso O Estado da Nação desta terça-feira (25)

    Barack Obama anunciou viagem ao Brasil durante o discurso "O Estado da Nação" desta terça-feira (25)

A perda de influência da Argentina no conjunto da América Latina, obscurecida pela espetacular emergência do Brasil e a demonstrada estabilidade democrática do Chile, ficou mais uma vez clara quando o presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou que sua próxima viagem à América do Sul incluirá escalas em Brasília e Santiago, mas não em Buenos Aires.

Formalmente, a diplomacia argentina e a própria Casa Rosada se mostraram indiferentes, salientando que as relações entre os dois países são satisfatórias, mas documentos anteriores revelados pelo Wikileaks mostram que a presidente Cristina Fernández de Kirchner demonstrou várias vezes sua decepção por se sentir desprezada por Washington e especialmente por não ter conseguido um tratamento diferenciado pelo presidente Obama.

De fato, o presidente americano limitou-se até agora a manter um rápido encontro com sua colega argentina, durante uma cúpula multilateral, e não ocultou suas simpatias por outros países latino-americanos, como Brasil, Colômbia, Chile ou Peru, que citou em algumas ocasiões, assim como seu interesse pela América Central e especialmente pelo México, Panamá ou El Salvador, que incluirá neste giro. "A viagem será uma oportunidade para ressaltar o compromisso do presidente com os líderes chaves do continente", explicou o porta-voz da Casa Branca, para maior decepção argentina.

As relações entre a Argentina e os EUA não são, entretanto, ruins, mas funcionalmente satisfatórias, segundo ambas as partes, embora tenham sofrido um certo esfriamento depois da nomeação de Arturo Valenzuela como secretário de Estado adjunto para Assuntos da América Latina. Valenzuela, de origem chilena, visitou duas vezes Buenos Aires mas nunca conseguiu ser recebido pela presidente Cristina Fernández.

Em sua primeira visita, em dezembro de 2009, o secretário de Estado adjunto fez alguns comentários sobre queixas de empresários americanos sobre a falta de estabilidade jurídica na Argentina, o que provocou um protesto formal do chanceler sul-americano. Valenzuela, por sua vez, segundo um telegrama confidencial enviado por sua embaixada a Washington, fez chegar sua "decepção" pela impossibilidade de levar a seu país uma "mensagem direta" da presidente. A segunda visita, em 11 de janeiro passado, se desenvolveu com muito pouca publicidade e Valenzuela se limitou a salientar em um comunicado oficial que valorizava o papel da Argentina na Unasul (União de Nações Sul-americanas) e na cooperação regional.

O papel internacional da Argentina vem sendo obscurecido nos últimos anos pelo formidável crescimento do Brasil, o parceiro cobiçado na América Latina pela maioria das grandes potências, desde os próprios EUA à China, passando por Rússia ou UE. Mesmo assim, supunha-se que nesta ocasião os EUA poderiam levar em conta que a Argentina é membro do G20 e que atualmente preside na ONU o chamado Grupo dos 77 mais China. O fato de Obama não considerar necessário passar por Buenos Aires indica que não existe uma agenda importante para discutir entre os dois governos.

O Brasil, primeiro destino de Obama, pelo contrário, se esforça para manter um cuidadoso contato político com a Argentina e de fato a primeira viagem oficial ao estrangeiro da nova presidente brasileira, Dilma Rousseff, será a Buenos Aires, em março próximo. A decisão de Rousseff de visitar seu vizinho antes de qualquer outro país confirma a linha traçada por seu antecessor, Lula da Silva, muito cuidadoso em suas relações com a Argentina, e contrasta com o fato de Cristina Fernández não ter participado da posse de Rousseff, em 1º de janeiro, uma ausência surpreendente que foi desculpada por "motivos pessoais".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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