Artigo de Lula: Horizontes da Integração Latino-Americana
A volta de Michelle Bachelet à presidência do Chile é um fato muito auspicioso para a América
do Sul e toda a América Latina. As notáveis qualidades humanas e políticas que ela demonstrou
em seu primeiro governo e, posteriormente, no comando da ONU Mulheres, a entidade das Na-
ções Unidas para igualdade de gênero, conferiram-lhe um merecido prestígio nacional e interna-
cional. Sua liderança – ao mesmo tempo firme e agregadora – e o seu compromisso de vida
com a liberdade e a justiça social, fazem de Bachelet uma referência importante em nosso con-
tinente.
A consagradora vitória que acaba de obter revela também que o povo chileno, tal como os
outros povos da região, anseia por um verdadeiro desenvolvimento, capaz de combinar o eco-
nômico e o social, a expansão das riquezas com a sua equitativa distribuição, a modernização
tecnológica com a redução das desigualdades e a universalização de direitos. E reivindica, além
disso, uma democracia cada vez mais participativa.
Por outro lado, a eleição de Bachelet inegavelmente reforça o processo de integração sul-ame-
ricana e latino-americana, na medida em que sempre apoiou com entusiasmo as iniciativas vol-
tadas para o desenvolvimento compartilhado e a unidade política da região. Basta lembrar a
sua contribuição decisiva para a criação e consolidação da União de Nações Sul-Americanas
(UNASUL), da qual foi a primeira presidente, e para a constituição da Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Aliás, nunca houve na América Latina tantos go-
vernantes comprometidos com esse processo.
Estive no Chile durante o segundo turno das eleições justamente para debater as perspectivas
da integração, participando de um seminário internacional promovido pela Comissão Econô-
mica para a América Latina e Caribe (CEPAL), o Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e o Instituto Lula.
Durante dois dias, 120 lideranças politicas, sociais e intelectuais dos nossos países fizeram
um diagnóstico atualizado e debateram uma agenda concreta para o desenvolvimento e a in-
tegração regional.
Discutiu-se francamente a inserção da América Latina na economia mundial; a arquitetura po-
lítico-institucional da integração; o papel das políticas sociais, especialmente no combate à po-
breza; as cadeias produtivas supra-nacionais; as empresas translatinas; as conexões físicas e
energéticas; a cooperação financeira e os mecanismos de investimento; os direitos humanos
e laborais; a defesa do patrimônio ambiental e da diversidade cultural.
Há um grande consenso sobre a necessidade da integração, que interessa na prática a todos os
nossos povos e países, independentemente da coloração ideológica dos respectivos governos.
As diversas regiões do mundo estão se integrando e constituindo blocos econômicos e políticos,
e não faria sentido que apenas a América Latina e o Caribe deixassem de unir-se. Nossos países
viveram secularmente de costas uns para os outros e todos sabemos o quanto isso foi nefasto
em termos de fragilidade geopolítica e de atraso socioeconômico. Não se trata de um movimento
contra os países desenvolvidos, com os quais queremos incrementar nosso intercâmbio em todos
os níveis, mas de legítima afirmação da nossa própria região. O aprofundamento da integração
latino-americana – política, cultural, social, de infraestrutura, de mercados – é um caminho natu-
ral e lógico, destinado a aproveitar a nossa proximidade territorial e cultural e as nossas vantagens
comparativas. Sem falar que, juntos, seguramente teremos mais força para garantir nossos direitos
no âmbito global.
É opinião geral que, na última década, tivemos conquistas extraordinárias em matéria de parcerias
e cooperação. Aumentou a confiança e o diálogo substantivo entre os nossos países, sem o que
não se conseguiria criar a UNASUL e a CELAC. Mas as relações econômicas também se expan-
diram consideravelmente. O comércio, por exemplo, cresceu de modo impressionante. Em 2002,
segundo a CEPAL, o fluxo total do comércio intra-regional na América do Sul era de U$33 bi-
lhões; em 2011, já havia atingido os U$ 135 bilhões. No mesmo período, o fluxo no conjunto da
América Latina passou de U$ 49 bilhões para U$ 189 bilhões. E o seu horizonte de crescimento
é enorme, pois somos um mercado de 400 milhões de pessoas e até agora só exploramos uma
pequena parte do nosso potencial de trocas.
O mesmo acontece com os investimentos produtivos. As empresas da região estão se internacio-
nalizando e investindo nos países vizinhos. No caso brasileiro, tínhamos poucos investimentos
industriais na América Latina. Hoje, são centenas de plantas, em mais de 20 países. E a recíproca,
felizmente, é verdadeira: existe um número crescente de empresas argentinas, mexicanas, chile-
nas, colombianas e peruanas, entre outras, produzindo no Brasil para o mercado brasileiro.
É evidente, no entanto, que precisamos avançar muito mais. Devemos acelerar a integração, que
pode ser mais profunda e abrangente. Para isso, com certeza, não bastam as visões de curto pra-
zo. Tenho dito que necessitamos de um pensamento realmente estratégico, capaz de encarar os
desafios da integração na perspectiva do futuro, dando-lhes respostas corajosas e inovadoras.
Temos que ir, igualmente, além dos governos, por fundamentais que eles sejam. A integração é
uma bela empreitada histórica que só se concretizará plenamente se lograrmos comprometer to-
da a sociedade civil dos nossos países, os sindicatos, os empresários, as universidades, as igre-
jas, a juventude.
É imprescindível construir uma vontade popular de integração. O principal é que todos compre-
endam o quanto podemos ganhar coletivamente na economia, na soberania política, na igualda-
de social, no desenvolvimento cultural e científico com a associação dos nossos destinos.
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