Não foi o governador, foi Minas
Por Luciano Martins Costa em 21/07/2014 na edição 807
Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 21/7/2014
Os leitores da Folha de S. Paulo foram surpreendidos no domingo (20/7)
por um ataque indireto ao senador Aécio Neves, candidato do PSDB a
presidente da República. “Minas fez aeroporto em fazenda de tio de
Aécio”, dizia a manchete do diário paulista. No texto logo abaixo, o jornal
conta que, quando governador, em 2010, Aécio mandou construir, com
dinheiro público, um aeroporto na fazenda de um tio, que o senador usa
regularmente para visitar uma propriedade da família.
A obra custou R$ 14 milhões e só serve à família do senador ou a
aeronaves que ela autoriza, pois o governo de Minas nunca entregou à
ANAC, Agência Nacional de Aviação Civil, os papéis necessários à sua
homologação. Portanto, objetivamente, a instalação segue sendo uma
obra privada feita com dinheiro público.
Na mesma edição e em texto de tamanho proporcional à reportagem
que faz a denúncia, a assessoria do senador responde que a escolha do
local levou em conta apenas aspectos técnicos, não considerando que a
propriedade do imóvel favorecia diretamente o então governador.
O Estado de S. Paulo reproduziu no mesmo dia a denúncia da Folha, em
um texto mais curto, incluindo a defesa de Aécio Neves, acrescentando
que no local havia uma pista construída em 1983 por seu avô, Tancredo
Neves, quando era governador do Estado. Ou seja, a família se beneficia
das instalações há mais de trinta anos, agora modernizadas com recursos
do Estado. Ou há outra interpretação para a sequência de notícias?
Na segunda-feira (21), os dois jornais paulistas voltam ao assunto, para
oferecer um amplo espaço à defesa do candidato tucano, e o Globo entra
na história, publicando com destaque a justificativa de Aécio Neves, sem
ter publicado antes a denúncia.
O conjunto do noticiário serve de modelo para o leitor entender o estilo
que deverá marcar a imprensa hegemônica até o fim da campanha
eleitoral: para amenizar as suspeitas de que tende para um dos lados da
disputa, dá-se, como se dizia antigamente, uma no cravo, outra na
ferradura.
Aeroporto particular
O cuidado em amenizar o efeito da reportagem diz muito sobre a atenção
que a imprensa dedica ao seu candidato preferencial. Diante de um fato
que induz claramente à conclusão de que a família Neves transformou um
antigo campo de pouso em aeroporto particular com dinheiro público, e
que a decisão de tocar a obra foi feita pelo então governador Aécio Neves,
qual é a alternativa?
Já que não se pode esconder o fato, cria-se na própria denúncia a condição
propícia à defesa. A começar pelos títulos: tanto na Folha como no Estado,
não foi o então governador quem autorizou o uso de dinheiro público no
interesse da própria família: foi “Minas”. Ora, “Minas” não pratica atos de
ofício, “Minas” não assina autorização para obras com ou sem licitação.
Quem assina é o governante, e o governante é agora candidato a
presidente da República.
Alguém imagina uma manchete do tipo “Brasil propõe regulamentação de
Conselhos Sociais?” Não: em condições normais de relativa autonomia,
os jornais personalizam os atos oficiais.
De que, então, tratava a manchete da Folha no domingo? Tratava do
cuidado mínimo que o jornal precisa dedicar à cobertura da disputa
eleitoral, porque o engajamento permanente e descarado em uma ou
outra candidatura pode prejudicar outros interesses da própria empresa
que edita o diário. Por exemplo, se o público desenvolver a convicção
de que a Folha apoia explicitamente uma candidatura em detrimento
das outras, quanta confiança será depositada em futuras pesquisas do
Datafolha?
Então, se determinado fato não pode deixar de ser publicado, porque a
omissão colocaria em risco a credibilidade do jornal, dá-se um jeito de
preservar no que for possível a reputação do candidato acusado.
Em nenhuma outra ocasião, nos muitos escândalos que a imprensa
reportou nos últimos anos, a autoria foi desviada do personagem
central para a figura diáfana do Estado. Apenas como referência, no
caso que tinha como acusado o ex-governador do Distrito Federal
José Roberto Arruda, não se leu nos jornais que “Brasília é condenada
por improbidade administrativa”.
Mas no caso do aeroporto privado feito com dinheiro público, não foi
o então governador quem cometeu o malfeito: foi “Minas”.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/nao_foi_o_
governador_foi_minas
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