SOLIDÁRIA AO CLARÍN, GLOBO TEME LEI DE MEIOS
Será que a Argentina é o Brasil amanhã? Se for, a Globo não terá o
mesmo poder de que hoje desfruta; talvez por isso, editorial do Globo,
de João Roberto Marinho, condena duramente a nova lei dos meios de comunicação no país vizinho
31 DE OUTUBRO DE 2013 ÀS 06:37
247 - Um fantasma assombra a Globo: a Argentina. Leia abaixo o
editorial do jornal da família Marinho sobre a Lei de Meios validada
pela suprema corte:
Tempos mais difíceis na Argentina
A derrota do Grupo Clarín na luta judicial com o governo de
Cristina Kirchner em torno de uma legislação draconiana, a Lei de
Meios, é apenas um capítulo — embora possa ser decisivo — de
uma longa história de sufocamento da imprensa profissional
argentina. Não é um fato isolado, mas parte de um projeto de
garroteamento do jornalismo independente, aplicado já há algum
tempo.
Ainda com Néstor Kirchner na Casa Rosada, onde tomou posse
em 2003, generosas verbas publicitárias oficiais passaram a ser
manipuladas para favorecer empresários de comunicação “amigos”.
Há copioso material levantado por auditores, publicado em
reportagens, em livro e divulgado em denúncias pela oposição
sobre o crescente gasto de milhões de dólares em dinheiro público
com esta finalidade.
Em 2010, por exemplo, ano da morte de Néstor e com a presidente
Cristina K. em campanha para a reeleição, a emissora de TV aberta
Canal 9, simpática ao kirchnerismo, foi presenteada com US$ 18
milhões, ou 67,5% de toda a verba publicitária. Há incontáveis
exemplos. Como o do jornal “Pagina 12”, outrora um marco na
mídia impressa do país, receber em publicidade oficial US$ 4,7
milhões, quase o mesmo que o “Clarín”, com uma diferença: vendia
apenas 10 mil exemplares diários, contra 300 mil deste último. Toda
esta operação segue paralelamente à montagem de extensa rede
de TVs e rádios públicas.
Outra arma da Casa Rosada é a Papel Prensa, única produtora de
papel de imprensa do país, em que estão associados o grupo Clarín,
o La Nación — outro alvo do kirchnerismo — e o Estado. Pois em
dezembro de 2011, Cristina K. aprovou no Congresso a intervenção
estatal no mercado do insumo. Pôs de uma vez o laço no pescoço dos
dois grupos e passou a atuar também na administração da empresa.
Agora, vem a decretação da constitucionalidade da Lei de Meios,
contra a qual o Clarín lutou em instâncias inferiores da Justiça durante
quatro anos. A lei é um instrumento inspirado no bolivarianismo
chavista, construído sob o disfarce de uma ferramenta para estimular
a “diversidade” e a “liberdade de expressão” nos meios de
comunicação”, mas cujo objetivo real é acabar com a independência
do jornalismo profissional, fazê-lo refém do poder público.
Na questão central da constitucionalidade da lei que determina o desmembramento do grupo pela venda de concessões de TV por
assinatura e rádio, e sua entrada imediata em vigor, o Clarín perdeu
a disputa por quatro votos a três, na Corte Suprema de Justiça,
presidida por Ricardo Lorenzetti, nomeado por Néstor. Na televisão
por assinatura — na Argentina, mais forte que a aberta, ao contrário
do Brasil — o Clarín detém 42% do mercado, e terá de encolher a
fatia para 35%. Quanto ao meio rádio, falta definir na prática o que acontecerá.
De alguns votos dos juízes constaram advertências sobre a
transparência na distribuição de verbas públicas de publicidade, o
uso político dos meios e a necessidade de aplicação técnica da lei.
Não se espera que surtam efeito.
A derrota do jornalismo profissional é dupla: perde espaço e, como
acontece há algum tempo na Argentina, o vácuo é preenchido por
empresários ligados à Casa Rosada. Eles deverão ser os compradores
das concessões a serem compulsoriamente vendidas pelo Clarín.
Chega a ser paradoxal: o governo K. obtém esta vitória no momento
em que o kirchnerismo, com apenas 30% dos votos obtidos nas
eleições parlamentares, é castigado pelos eleitores e se depara
com riscos concretos de sair da Casa Rosada em 2015. A decisão
da Corte Suprema prenuncia dois anos ainda mais difíceis para a
sociedade argentina.
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