quinta-feira, 21 de novembro de 2013

PARA QUEM GOSTA DE FATOS, E NÃO DE SLOGANS DE ÓDIO:

Anotações sobre uma farsa (I)

A ideia era transformar José Dirceu num caso exemplar e exemplarisante 

da Justiça. Chegaram lá: é a vitória da grande hipocrisia que impera no país.



Eric Nepomuceno


Pouco antes das seis da tarde do sábado passado, um avião da Polícia Federal 
aterrissou no aeroporto de Brasília, levando os condenados pelo Supremo 
Tribunal Federal para começar, de imediato, a cumprir as sentenças recebidas. 
Três horas mais tarde, foram conduzidos à Penitenciária da Papuda. Entre os 
presos, havia de tudo – da herdeira de um banco privado a um publicitário dado 
a práticas heterodoxas na hora de levantar fundos para campanhas eleitorais. 
Práticas essas, aliás, testadas e comprovadas na campanha do tucano Eduardo 
Azeredo, em Minas Gerais, em 1998.

Lembro bem, porque trabalhei nessa campanha, sob as ordens do sempre 
presente e ativo Duda Mendonça. E fui pago.  

Mas a imagem que importava era outra: era a de José Dirceu, talvez o mais 
consistente quadro ativo da esquerda brasileira, e de José Genoíno, o antigo 
guerrilheiro que chegou a presidir o PT, sendo presos. Essa a imagem buscada, 
essa a imagem conseguida.

Terminou assim a etapa mais estrondosa de um processo que começou, se 
desenvolveu e permaneceu vivo o tempo todo debaixo de uma pressão 
mediática praticamente sem antecedentes neste país de memória esquiva e 
oblíqua.

Durante meses, com transmissão ao vivo pela televisão, intensificou-se o 
atropelo de princípios elementares da justiça. E mais: foi aberto espaço para 
que vários dos magistrados máximos do país pudessem exibir seu protago-
nismo histriônico e singular, e no final chegou-se a sentenças próprias do que 
foi esse julgamento: um tribunal de exceção.
   
Jamais foram apresentadas provas sólidas, ou mesmo indícios convincentes, 
da existência do ‘mensalão’, ou seja, da distribuição mensal de dinheiro a 
parlamentares para que votassem com o governo de Lula.

O que sim houve, e disso há provas, evidências e indícios de sobra, foi o repasse 
de recursos para cobrir gastos e dívidas de campanha. Aquilo que no Brasil é 
chamado de ‘caixa dois’ e que é parte intrínseca de todos – todos – os partidos, 
sem exceção alguma, em todas – todas – as eleições.

Claro que é crime. Mas um crime que deveria ser tratado no âmbito do Código 
Eleitoral, e não do Código Penal.

Há absurdos fulgurantes nessa história, a começar pelo começo: o denunciante 
do esquema do tal ‘mensalão’ chama-se Roberto Jefferson, que pode ser 
mencionado como exemplo perfeito de qualquer coisa, menos de honradez no 
trato da coisa pública.

Ávido e famélico por mais e mais prebendas, além das admitidas na já muito 
flexível prática da política brasileira, foi freado por José Dirceu, na época poderoso 
ministro da Casa Civil. A vingança veio a galope: Jefferson denunciou a presença 
do ‘carequinha’ que levava dinheiro a políticos em Brasília.

Atenção: na época, o próprio Jefferson admitiu que tinha levado a metade, 
apenas a metade, dos milhões prometidos para cobrir dívidas de campanha 
eleitoral, repassados pelo tal ‘carequinha’, o publicitário Marcos Valério, que – 
vale reiterar – tinha testado esse mesmo esquema em Minas, em 1998, na 
campanha do tucano Eduardo Azeredo.

E acusou Dirceu, o mesmo que havia bloqueado seu apetite inaudito, de ser o 
responsável pelo esquema.

A entrevista de Roberto Jefferson ao jornal ‘Folha de S.Paulo’ foi o combustível 
perfeito para a manobra espetacular dos grandes conglomerados mediáticos do 
país, que desataram uma campanha cuja dimensão não teve precedentes. Nem 
mesmo a campanha sórdida de ‘O Globo’ contra Brizola teve essa dimensão.

O resultado é conhecido: caíram Dirceu e, por tabela, José Genoino. Duas figuras simbólicas de tudo que o conservadorismo endêmico deste país soube detestar 
com luxo de detalhes.
Todo o resto foi e é acessório. Fulminar Dirceu, devastar a base política de Lula, 
tentar destroças sua popularidade e impedir sua reeleição em 2006 foram, na 
verdade, o objetivo central.

Acontece que em 2006 Lula se reelegeu, e em 2010 ajudou a eleger Dilma. E 
José Dirceu se transformou no alvo preferencial da ira anti-petista em particular 
e anti-esquerda em geral.
Ele foi condenado, pelo grande conglomerado dos meios de comunicação, no 
primeiro minuto do primeiro dia, muito antes do julgamento no STF. A própria 
denúncia apresentada pelo inepto procurador-geral da República, Antônio Silva 
e Souza, depois aprofundada pelo rechonchudo Roberto Gurgel, é um com-
pêndio de falhas gritantes.

Mas, e daí? Transformou-se na receita ideal para o que de mais moralóide e 
hipócrita existe e persiste na vida política – e, atenção: judiciária – deste pobre 
país.

A manipulação feita pelos meios de comunicação, alimentada por uma 
polpuda e poderosa matilha de cães hidrófobos, fez o resto.  

Entre os acusados existe, é verdade, uma consistente coleção da malandrões 
e malandrinhos. Mas o objetivo era outro: era Dirceu, era Genoíno. Era Lula, 
era o PT.
Foram condenados, entre pecadores e inocentes, por uma corte suprema que 
abriga alguns dos casos mais gritantes de hipertrofia de egos em estado terminal 
jamais vistos no país, a começar pelo seu presidente.

Dirceu e Genoino foram condenados graças a inovações jurídicas, a começar 
pela mais insólita: em vez de, como rezam os preceitos básicos do Direito, caber 
aos acusadores apresentar provas, neste caso específico foi posta sobre seus 
ombros provarem que não tinham culpa de algo que jamais se pôde provar que aconteceu.

É curioso observar como agora ninguém parece recordar que Roberto Jefferson 
teve seu mandato cassado por seus pares porque não conseguiu provar que 
aconteceu o que ele denunciou.

Anestesiada e conduzida às cegas pelo bombardeio inclemente e sem tréguas 
dos meios hegemônicos de comunicação, a conservadora e desinformada classe 
média brasileira aplaudiu e aplaude esse tribunal de exceção. Aplaude as sentenças 
ditadas ao atropelo do Direito como se isso significasse o fim da corrupção endê-
mica que atravessa todos – todos, sem exceção – governos ao longo de séculos.

A ideia era transformar José Dirceu num caso exemplar e exemplarisante da 
Justiça.
Chegaram lá: é a vitória da grande hipocrisia que impera no país.

O Supremo Tribunal Federal não se fez tímido na hora de impor inovações 
esdrúxulas.

Afinal, uma única coisa importava e importa: a imagem de José Dirceu e José 
Genoino sendo presos.

Para o conservadorismo brasileiro, era e é como uma sobre-dose após tempos 
de abstinência aguda. Pobre país.

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