O documentário “O dia que durou 21 anos” revela detalhes, documentos e gravações a respeito da efetiva participação do Governo dos Estados Unidos no golpe militar de 1964.
Parece ser um absurdo, mas a recusa de João Goulart em atender exclusivamente aos mandamentos do Governo americano deflagrou uma farsa jamais vivida na história do Brasil.
Em que pese saber que muitos já sabem dessa história, gostaria de retratar importantes passagens dessa trama política, tendo em vista o aniversário de 50 anos do golpe militar e a fim de colaborar para que os jovens não se esqueçam da época mais trágica da história do Brasil.
Em nome do capitalismo estatal de um país só, muito dinheiro foi gasto para alienar a população, destruir serviços públicos como educação, saúde e segurança pública, consolidar oligarquias hereditárias, fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos de parlamentares, suspender direitos fundamentais e matar pessoas.
Diante disso, o texto abaixo foi produzido para que os leitores do meu blog compreendam de uma forma sistemática toda a conjuntura retratada em 2 documentários: “O dia que durou 21 anos” e “Dossiê Jango”.
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BRASIL: UM PAÍS QUE CRESCIA
Naquela época, o Brasil sustentava bons índices de crescimento na economia, na ciência, nos serviços públicos e na tecnologia, tendo tudo para ser uma potência mundial em 30 ou 40 anos.
Apesar da alta inflação, os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart foram substanciais para o crescimento econômico e para a busca da distribuição de renda.
Porém, quis o destino que uma enorme avalanche detonasse todos os projetos consolidados de crescimento econômico e justiça social do Brasil: o interesse econômico dos Estados Unidos sob a velha alegação da liberdade, mancomunado com a ganância das oligarquias brasileiras.
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INTERESSE ECONÔMICO DOS ESTADOS UNIDOS PELO BRASIL
João Goulart construía plenas relações capitalistas em todos os lugares do mundo, a exemplo dos países latino-americanos, africanos e asiáticos.
Ainda como vice-presidente, em viagem à China em agosto de 1961, João Goulart já tinha a visão de que a China seria um parceiro econômico forte.
Em discurso naquele país, Goulart festejava: “Viva a amizade cada vez mais estreita entre China e Brasil. Viva a amizade dos povos asiáticos, africanos e latino-americanos”.
O grande problema era que a estupidez dos Estados Unidos não tolerava qualquer política externa do Brasil que não fosse dirigida sob o comando de Washington.
Quando João Goulart assumiu a Presidência, os Estados Unidos exigiam que o Brasil rompesse relações com países socialistas, sendo que não iriam admitir em hipótese alguma qualquer governo na América Latina de caráter socialista, mesmo se tivesse que usar forças bélicas para tanto.
A ousadia dos americanos era tanta que, durante o mandato de Goulart, Robert Kennedy veio com uma lista de ministros civis brasileiros subordinados ao governo americano para que Jango nomeasse. Como mantinha uma política externa independente, o pedido foi recusado.
Nesse contexto, o documentário “O dia que durou 21 anos”, mostra uma gravação em que o então Presidente dos Estados Unidos John Kennedy declara que
“Como Presidente dos Estados Unidos, estou determinado a garantir o sucesso de nosso sistema e vencerei este desafio a qualquer custo”
Relatam os historiadores que, quando Kennedy foi assassinado, estava com uma política hostil ao Brasil, projeto que foi seguido à risca por seu sucessor Lyndon Johnson.
Diante disso, começa a ser consolidado um enorme aparato político, midiático e até religioso para executar o projeto que iria subordinar o Brasil aos interesses econômicos exclusivos dos Estados Unidos.
O documentário ainda mostra um depoimento do deputado Bocayuva Cunha que relata que empresas americanas vinham para o Brasil, multiplicavam seu capital em 200, 300 e até mesmo 1.000% ao ano e não revertiam os dividendos para o Brasil.
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REFORMA AGRÁRIA: A SENHA PARA A CAMPANHA ANTI-COMUNISTA
É visível que atualmente boa parte da classe média e alta não vê com bons olhos qualquer medida governamental a favor de pessoas pobres.
Imaginem isso 50 anos atrás?
Não é de se estranhar, mas, naquela época, movimento organizado de trabalhadores urbanos ou rurais era considerado comunismo e subversão.
Nesse embalo, a Reforma Agrária pretendida por João Goulart era uma verdadeira agressão à sociedade daquela época, que passou a interpretar tal projeto como comunista, deflagrando a oportunidade para que a oposição entrasse em ação.
Portanto, defender a Reforma Agrária como condição de desenvolvimento do país era uma afronta às forças dominantes.
Nesse mister, o leitor pode observar de pronto uma farsa: a Reforma Agrária concedia indenização aos antigos proprietários e fornecia títulos de PROPRIEDADE aos novos assentados, atitudes incompatíveis com qualquer doutrina comunista.
Além disso, Goulart também era proprietário de grandes terras e não há evidência histórica alguma de que havia tratativas comunistas em curso.
Simplesmente, ele não quis seguir a cartilha dos Estados Unidos.
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AMERICANOS BANCAM CAMPANHA DE POLÍTICOS BRASILEIROS NAS ELEIÇÕES DE 1962
Por meio de um instituto de faixada chamado IBADE (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), financiado pela CIA norte-americana e que foi criado para combater políticos populistas como Juscelino Kubitschek, houve direcionamento de capital para financiar os candidatos contrários a João Goulart e anticomunistas em geral, que concorreriam às eleições legislativas e para o Governo de 11 Estados.
Assim, nas eleições de 1962, o governo americano (por meio de sua embaixada) passou a financiar as campanhas eleitorais de deputados federais, estaduais e senadores no Brasil.
Atualmente, a relação nominal de todos os políticos que receberam dinheiro do IBADE parece ser coisa “guardada a sete chaves”.
Em entrevista ao documentário, Plínio de Arruda Sampaio relata que foi abordado por um desses agentes que oferecia dinheiro para a campanha de 1962 em troca de um apoio à democracia. Segundo ele, teria recusado, já que para defender a democracia não precisa de dinheiros dos americanos.
Segundo jornais da época, o IBAD financiou 250 deputados federais, 8 governadores e 600 deputados estaduais. Houve uma tentava de CPI para investigar o caso, comandada pelo deputado Rubens Paiva que iria morrer tempos depois na prisão. Seu corpo desapareceu.
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CAMPANHA ANTI-COMUNISTA ENGANA A POPULAÇÃO
O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), fundado em 29 de novembro de 1961, por Augusto Trajano de Azevedo Antunes (ligado à Caemi) e Antônio Gallotti (ligado à Light), serviu como um dos principais catalisadores do pensamento antiGoulart.
O IPES funcionava na avenida Rio Branco no Rio de Janeiro e foi montado como “o ovo da serpente para o golpe militar”, cuja função era montar propagandas políticas, financiando TVs, rádios, revistas e jornais para criticar o Presidente João Goulart e passar uma ideia de conspiração comunista, a fim de criar instabilidade para que a população aceitasse de maneira “racional e bem orientada” o golpe militar.
O esquema era muito bem orquestrado. Muitas das radionovelas, filmes de cinema e programas de televisão da época, tinham mensagens explícitas e implícitas a favor da absorção pelos brasileiros dos valores estadunidenses.
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LINCOLN GORDON: O EMBAIXADOR E ARTICULADOR DO GOLPE
Lincoln Gordon embaixador dos Estados Unidos do Brasil tornou-se uma das figuras mais importantes da política brasileira.
Ele era economista e tinha exercido sua carreia acadêmica em Harvard escrevendo sobre o Brasil.
Quando foi nomeado para o cargo de Embaixador, seu objetivo era impedir que um governo de esquerda se consolidasse no Brasil.
Em seus telefonemas e relatórios enviados ao Governo americano, Lincoln Gordon convenceu os americanos de que a política de Reforma Agrária implantada por Jango e Brizola iriam levar o Brasil ao comunismo.
Mesmo quando os funcionários da embaixada americana questionavam Gordon a respeito dessa futurologia equivocada, ele manteve o teor dos relatórios.
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ESTADOS UNIDOS ENVIAM PADRE PARA REZAR COM OS FIÉIS BRASILEIROS PELO ANTI-COMUNISMO
O exemplo mais notório do uso da religião contra o presidente João Goulart foi a manipulação perpetrada pelo Padre Patrick Peyton, pároco estadunidense de origem irlandesa conhecido por sua pregação anticomunista.
Chegando ao Brasil no final de 1963, o Padre Peyton passou a utilizar politicamente o lema “A família que reza unida permanece unida”, promovendo uma série de eventos públicos de massa para os fiéis brasileiros, inclusive a “Missa pela Salvação da Democracia” realizada na Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu meio milhão de pessoas em março de 1964.
Segundo o site Wikipédia, “anos mais tarde, Peyton foi apontado por historiadores norte-americanos como agente da CIA, especialista em levantar as massas católicas contra o comunismo ateu em nome da Virgem Maria”.
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A INVASÃO MILITAR AMERICANA NO BRASIL
Seguindo a risca a famosa “Diplomacia do canhão”, Lincoln Gordon solicita o envio de tropas navais americanas para o Brasil, a fim de apoiar os militares que queriam tirar Goulart do poder.
Essa atitude foi importante para encorajar os militares comandados por Mourão Filho, que ordenou que as tropas da IV Divisão de Infantaria que comandava em Juiz de Fora seguissem para ocupar o Estado da Guanabara, atual cidade do Rio de Janeiro, na madrugada do dia 1º de abril de 1964.
Como não pretendia ver derramamento de sangue com as tropas americanas invadindo o Brasil, João Goulart deixou Brasília e foi para o Rio Grande do Sul.
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ATITUDE SEM PÉ E NEM CABEÇA: OPOSIÇÃO DECLARA NOVO GOVERNO
Como João Goulart não estava em Brasília, o Presidente do Congresso Nacional Aureo de Moura Andrade, numa atitude contrária à Constituição, no dia 02 de abril de 1964, declarou vaga a Presidência da República, dando posse interina ao deputado Ranieri Mazzilli (Presidente da Câmara dos Deputados), na Presidência da República.
Imediatamente, a embaixada dos Estados Unidos liga para Washington que, de uma forma extremamente rápida, reconhece o novo governo de Mazzili, sem considerar que a transição foi ilegal e que Goulart não havia renunciado à Presidência.
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O NOVO PRESIDENTE DO BRASIL AMAVA OS ESTADOS UNIDOS
Convoca-se eleição indireta para a Presidência do Brasil, oportunidade em que deveria estar no cargo alguém que garantisse que os interesses dos Estados Unidos fossem preservados. Segundo a embaixada dos Estados Unidos, Castelo Branco era a pessoa ideal para ocupar o cargo, já que amava a liberdade e nutria admiração pelos Estados Unidos, conforme se observa em documentação abaixo:
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DESDOBRAMENTOS
As demais consequências da ditadura militar são bem conhecidas: militares e parlamentares foram cassados, extinguiram partidos políticos, cancelaram a eleição direta para Presidente da República, decretaram o recesso do Congresso Nacional, direitos fundamentais foram suspensos, torturas, mortes etc
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MULTINACIONAIS APOIARAM O AI-5
Multinacionais se alinharam a forças torturadoras do Governo brasileiro para a decretação do AI-5.
A Câmara Americana de Comércio em São Paulo apoiou incondicionalmente o AI-5, sob a alegação de que tais medidas eram extremamente necessárias para garantir a estabilidade econômica e os investimentos das multinacionais.
GRUPOS DE RESISTÊNCIA PÓS-GOLPE
Lógico que existiam grupos de resistência, e dentre eles, alguns realmente tinham a intenção de implantar o comunismo no Brasil.
Porém, nunca tiveram força política alguma e jamais representariam ameaça real aos ditadores.
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CONCLUSÕES
Nunca houve, por parte do Governo João Goulart, intenção de implantar o comunismo no Brasil.
Realmente existia preocupação dos Estados Unidos com a implantação do comunismo soviético no Brasil, mas isso não estava em sintonia com a realidade dos fatos.
Essa farsa foi montada para justificar o golpe, com apoio de boa parte da oligarquia do Brasil que, no regime militar, enriqueceu como nunca na história.
Assim, o motivo do golpe resume-se em duas palavras muito conhecidas do cidadão brasileiro: PODER e DINHEIRO.
OTHONIEL PINHEIRO NETO
Doutorando em Direito pela Universidade Federal da Bahia
Mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas
Especialista em Direito Processual, bem como em Direito Eleitoral
Corregedor Geral da Defensoria Pública do Estado de Alagoas
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