Obra do PAC revela tesouros arqueológicos de até 7 mil anos
Por - iG São Paulo |
Material coletado na região da Usina Santo Antônio,
em Rondônia, reúne 700 mil peças e deve estar dispo-
nível ao público em dois anos e meio
Mais de 700 mil fragmentos encontrados em 58 sítios arqueológicos e
outros 157 pontos isolados na prospecção anterior à construção da Usina
Hidrelétrica Santo Antônio, no Rio Madeira, em Porto Velho, Rondônia,
passam por processo de limpeza e análise que deve terminar no final deste
ano e devem estar disponíveis aos olhares do público em cerca de dois anos
e meio. O material inclui peças de até sete mil anos encontradas em 43 sítios
pré-coloniais e de outros 15 sítios com sinais de ocupação urbana dos séculos
19 e 20. A obra da usina está incluída no PAC 2 (Programa de Aceleração do
Crescimento).
“Cada pedacinho é contado como um”, conta o responsável pelo programa de
arqueologia da usina, Ricardo Euclides Ferreira.”É uma região de garimpeiros,
e eles achavam muita coisa. Vários sitios desses, na verdade, foram redesco-
bertos. Já existiam evidências destes locais.”
Veja imagens dos trabalhos na região da usina:
As primeiras prospecções na área foram realizadas na década de 1970 pelo
arqueólogo Eurico Miller, como parte do Programa Nacional de Pesquisas
Arqueológicas da Bacia Amazônica (Pronapaba), financiado pelo instituto
Smithsonian (EUA). Mais tarde, na década de 1980, Miller conduziu os es-
tudos para a construção da Usina de Samuel, no rio Jamari.
Escavações em mais de 90 sitios que foram aldeias indígenas revelaram sinais
da presença humana na região há pelo menos 9 mil anos. Os materiais coletados
nesta época, no entanto, estão armazenados dentro da usina, localizada a cerca de
20 km de Porto Velho. Em escavações para a linha de transmissão Ji-Paraná-
Rolim de Moura, também em Rondônia, Miller encontrou vestígios datados de
13,8 mil anos pelo instituto.
“Torço para que os consórcios construtores continuem a zelar pelo patrimônio
histórico que foi extraído das barrancas do rio Madeira e que este caso não seja
mais um como os das hidrelétricas de Samuel, Balbina e Tucuruí, construídas na
década de 80 e cujo material arqueológico atualmente apodrece, ironicamente
num local a menos de 50 km da Usina de Santo Antônio e da Unir, que são
vizinhas”, afirma o coordenador do curso de Arqueologia da Universidade de
Rondônia, (Unir), Carlos Zimpel.
As escavações que recolheram este tesouro arqueológico mobilizaram uma equipe
que chegou a contar com 90 integrantes no período de julho de 2008 até o fim de
2012. A exploração começou na área com mais de 1,5 mil hectare do canteiro de
obras.
Mais tarde, passou para a região do reservatório, em que foram exploradas 18 áreas
de amostragem, ao longo de dois meses e meio, no período de seca do rio. Em
cinco delas, foram encontradas gravuras rupestres: Ilha Dionísio, Ilha do Japó,
CPRM 2, Ilhas das Cobras e Teotônio. Áreas de reassentamento e de construção
de acessos para a usina também foram prospectadas.
A Usina Santo Antônio começou a ser construída no início de 2008. Uma das
primeiras grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a
entrar em operação, ela começou a funcionar em 30 de março de 2012.
Atualmente em obras de ampliação, a usina será a terceira maior hidrelétrica
do País, gerando 3.150 MW, capaz de abastecer mais de 40 milhões de usuários.
O levantamento e resgate do patrimônio arqueológico são parte do processo de
obtenção de licenças ambientais que precede o início das obras.
A questão é regida pela lei 3924/1961, pela resolução 001/1986 do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (Conama), que impõe o licenciamento a hidrelétricas
e pelo artigo 20 da Constituição Federal, que estabelece sítios arqueológicos e
pré-históricos como bens da União. Há também a portaria 230/2002 do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), prevê tanto a fase de campo,
como a de laboratório, que é o estágio atual do material resgatado em Santo Antônio.
A etapa inclui limpeza, triagem, registro, análise e interpretação do material coletado.
Concluído o processo, as peças serão encaminhadas à Universidade de Rondônia
(Unir), onde será erguido um prédio especificamente para abrigá-los. Serão investi-
dos na construção R$ 5 milhões em parceria com o consórcio Energia Sustentável
do Brasil, responsável pela construção da Usina de Jirau, que também enviará
material arqueológico para o local.
“A questão do tamanho do investimento é irrelevante, poderia até me atrever a dizer que o investimento da universidade é muito maior que o dos consórcios construtores das usinas”, pondera Zimpel, da Unir. “Como se pode calcular em reais o preço de manter de maneira vitalícia um acervo da magnitude como o que foi gerado pelas usinas, que necessita de conhecimentos específicos para sua manutenção? Não há como calcular isso”. Segundo o professor, a negociação para a construção do prédio foi um “trâmite longo e trabalhoso”. “Chegaram de uma hora para outra, parecendo um conquistador chegando com miçangas e espelhos.”
Zimpel também faz críticas à prospecção realizada pelos consórcios. “Infelizmente,
nas duas usinas, a amostragem foi parcial e diversas áreas ficaram sem prospecção,
como por exemplo as cabeceiras dos igarapés que deságuam no Madeira, local onde tradicionalmente encontramos antigas aldeias indígenas.”
A velocidade do trabalho também entra na mira do pesquisador. “Deveríamos seguir
exemplos do Japão, por exemplo, onde se valoriza planejar a longo prazo um empreen-
dimento. Lá, se for necessário, se planeja algo durante 50 anos, para execução em
cinco. Aqui, planeja-se em cinco, para execução de 50. No Brasil, arqueólogo está
começando a se acostumar a trabalhar sob som do ronco do trator, com a pressa e a
pressão, com a baixa remuneração, algo totalmente diferente e que nunca antes fora
visto na profissão.”
Apesar do prazo curto, uma equipe numerosa e o uso de recursos tecnológicos
compensaram o trabalho na Usina Santo Antonio, segundo avaliação de Renato
Kipnis, diretor da Scientia, empresa responsável pelos trabalhos arqueológicos.
“O que fizemos em quatro anos, na academia levaríamos provavelmente 30 para
fazer. O volume de sítios que a gente identificou, escavou, o volume de material
gerado, levaria algumas décadas para concluir, porque o ritmo é outro e não se
consegue financiamento desse tamanho no contexto acadêmico”.
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