Não foi gol de mão
04 de janeiro de 2014 | 2h 03
CELSO MING - O Estado de S.Paulo
O ministro Guido Mantega está certo ao comemorar a sobra de arrecadação do
governo federal em 2013, "de cerca de R$ 75 bilhões", o que configura um su-
perávit primário aproximado de 1,7% do PIB.
Ainda que faltem atualizações e acrescentar as estatísticas dos Estados, muni-
cípios e empresas estatais, é um resultado positivo, mais alto do que o esperado.
Todos já sabemos que este não é um bom superávit estrutural, tal como procla-
mado pelo Banco Central, porque foi obtido com cerca de R$ 35 bilhões em re-
ceitas excepcionais que não se repetirão.
Em todo o caso é um belo gol. Falta saber se ganhará o jogo contra as agências
de classificação de risco que ameaçam rebaixar a qualidade dos títulos de dívida
do Brasil, exatamente diante do baixo desempenho das contas públicas anterior-
mente previsto. Além da enorme tendência à gastança, outro limitador da melho-
ria das contas públicas é o baixo crescimento econômico, fator que reduz a arreca-
dação de impostos.
Mas há dois outros motivos de comemoração. O primeiro deles é o de que o go-
verno afinal admite que a formação de um robusto superávit nas contas públicas
é essencial para gerar confiança e devolver capacidade de manobra à política eco-
nômica. Isso aponta certa novidade, na medida em que até recentemente o go-
verno entendia que o esforço fiscal contrariava a política anticíclica, destinada a
tirar a economia da recessão.
E é bom relembrar que, em março de 2013, em Durban, África do Sul, a presi-
dente Dilma mostrou irritação com as cobranças por aumento do superávit e dos
juros, quando afirmou que "esse receituário é complicado, porque mataria o doen-
te em vez de curá-lo". Se agora o governo alardeia poder entregar um razoável su-
perávit fiscal (embora menor do que o desejado) é porque parece ter entendido
que é imprescindível garantir o controle da dívida e o crescimento econômico sus-
tentável.
O segundo motivo de justificada comemoração é que, ao contrário do gol marcado
"com a mão", pelas mágicas contábeis engendradas pelo secretário do Tesouro, Ar-
no Augustin, dessa vez o gol foi legal.
Se os Estados não apresentarem desempenho igualmente satisfatório é porque, em
parte, perderam arrecadação em consequência do achatamento dos preços de dois
insumos - combustíveis e energia elétrica - cuja tributação em ICMS tem forte pe-
so na receita dos Estados.
No mais, o ministro Mantega reconheceu que precisou antecipar esses números
"para baixar a ansiedade". Convém pontuar que o maior produtor de ansiedade é o
próprio governo que não gosta de admitir problemas na economia.
Mas, vá lá, Mantega teve um momento de sinceridade no dia 11 de dezembro,
quando se queixou "das duas pernas mancas da economia brasileira". Foi criticado
por isso dentro do governo, mas esse pode ter sido um bom recomeço. Nenhum con-
serto pode ser feito, se antes o estrago não for reconhecido
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