quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

BELA ENTREVISTA COM FIDEL CASTRO, HÁ TRÊS SEMANAS

Mais duas horas com Fidel

Fidel me esperava na entrada do salão de sua casa, uma peça ampla e 

luminosa aberta sobre um ensolarado jardim. Aparentava estar em 

estupenda forma.



Ignacio Ramonet
Divulgação
Fazia um dia de primaveral doçura, submer-
gido por essa luz refulgente e esse ar crista-
lino tão característicos do mágico dezembro 
cubano. Chegavam cheiros do oceano pró-
ximo e se ouviam as verdes palmeiras em-
baladas por uma lânguida brisa. Em um 
desses « paladares » que abundam agora 
em La Habana, estava eu almoçando com 
uma amiga. De repente, tocou o telefone. 
Era meu contato: « A pessoa que desejavas ver, está te esperando em meia 
hora. Apressa-te.  » Deixei tudo, me despedi da amiga e me dirigi ao lugar in-
dicado. Ali me aguardava um discreto veículo cujo chofer guiou de imediato 
rumo ao oeste da capital.

Eu tinha chegado a Cuba quatro dias antes. Vinha da Feira de Guadalajara 
(México) onde estive apresentando meu novo livro “Hugo Chávez. Mi primera 
vida - conversaciones con el líder de la revolución bolivariana”  . Em La Habana, 
se celebrava com imenso êxito, como cada ano por essas datas, o Festival do 
Novo Cinema Latino-americano. E seu diretor Iván Giroud teve a gentileza de 
me convidar para a homenagem que o Festival desejava prestar a seu funda-
dor Alfredo Guevara, um autêntico gênio criador, o maior impulsionador do 
cinema cubano, falecido em abril de 2013.

Como sempre, quando pouso em La Habana, havia perguntado por Fidel. E, 
através de vários amigos comuns, havia transmitido minhas saudações. Fazia 
mais de um ano que não o via. A última vez tinha sido em 10 de fevereiro de 
2012 no marco de um grande encontro « pela Paz e a preservação do Meio 
Ambiente », organizado à margem da Feira do livro de La Habana, no qual o 
Comandante da revolução cubana conversou com uma quarentena de inte-
lectuais.

Foram abordados, naquela ocasião, os temas mais diversos, começando pelo 
« poder midiático e a manipulação das mentes » do qual me tocou falar em 
um tipo de palestra inaugural. E não me esqueço da pertinente reflexão que Fi-
del fez ao final de minha exposição: « O problema não está nas mentiras que 
os meios dominantes dizem. Isso não podemos impedir. O que devemos pen-
sar hoje é como nós dizemos e difundimos a verdade. »

Durante as nove horas que durou essa reunião, o líder cubano impressionou 
seu seleto auditório. Demostrou que, já com 85 anos de idade, conservava in-
tacta sua vivacidade de espírito e sua curiosidade mental. Intercambiou ideias, 
propôs temas, formulou projetos, projetando-se para o novo, para a mudan-
ça, para o futuro. Sensível sempre às transformações em curso do mundo.

Quão diferente o encontraria agora, dezenove meses depois? Me perguntava 
a bordo do veículo que me aproximava dele. Fidel havia feito poucas aparições 
públicas nas últimas semanas e havia difundido menos análises ou reflexões 
que em anos anteriores .

Chegamos. Acompanhado de sua sorridente esposa Dalia Soto del Valle, Fidel 
me esperava na entrada do salão de sua casa, uma peça ampla e luminosa 
aberta sobre um ensolarado jardim. O abracei com emoção. Aparentava estar 
em estupenda forma. Com esses olhos brilhantes como estiletes sondando a 
alma de seu interlocutor. Impaciente já de iniciar o diálogo, como se tratasse, 
dez anos depois, de prosseguir nossas longas conversações que deram lugar 
ao livro « Ciem horas com Fidel  ».

Ainda não havíamos sentado e já me formulava uma infinidade de perguntas 
sobre a situação econômica na França e a atitude do governo francês... Duran-
te duas horas e meia, falamos de tudo um pouco, pulando de um tema a ou-
tro, como velhos amigos. Obviamente se tratava de um encontro amistoso, 
não profissional.
Nem gravei nossa conversação, nem tomei nenhuma nota durante o trans-
curso da conversa . E este relato, além de dar a conhecer algumas reflexões 
atuais do líder cubano, só aspira responder a curiosidade de tantas pessoas 
que se perguntam, com boas ou más intenções: como está Fidel Castro?

Já disse: estupendamente bem. Perguntei-lhe por que ainda não havia publi-
cado nada sobre Nelson Mandela, falecido havia já mais de uma semana. 
« Estou trabalhando nisso, declarou, terminando o rascunho de um artigo . 
Mandela foi um símbolo da dignidade humana e da liberdade. O conheci mui-
to bem. Um homem de uma qualidade humana excepcional e de uma nobre-
za de ideias impressionante. É curioso ver como os que ontem amparavam 
o Apartheid, hoje se declaram admiradores de Mandela. Que cinismo! A gen-
te se pergunta, se ele só tinha amigos, quem então prendeu Mandela? Como 
o odioso e criminoso Apartheid pode durar tantos anos? Mas Mandela sabia 
quem eram seus verdadeiros amigos.
 
Quando saiu da prisão, uma das primeiras coisas que fez foi vir visitar-nos. 
Nem sequer era ainda presidente da África do Sul! Porque ele não ignorava 
que sem a proeza das forças cubanas, que romperam a coluna vertebral da 
elite do exército racista sul-africano na batalha de Cuito Cuanavale [1988] e 
favoreceram, assim, a independência da Namíbia, o regime do Apartheid não 
teria caído e ele teria morrido na prisão. E isso que os sul-africanos possuíam 
várias bombas nucleares, e estavam dispostos a utilizá-las! »

Falamos depois de nosso amigo comum Hugo Chávez. Senti que ainda esta-
va sob a dor da terrível perda. Evocou o Comandante bolivariano quase com 
lágrimas nos olhos. Me disse que havia lido, « em dois dias », o livro « Hugo 
Chávez. Mi primera vida ». « Agora tens que escrever a segunda parte. Todos 
queremos ler. Deves isso a Hugo. », completou. Aí interveio Dalia para comen-
tar que esse dia [13 de dezembro], por insólita coincidência, fazia 19 anos do 
primeiro encontro dos dois Comandantes cubano e venezuelano. Houve um 
silêncio. Como se essa circunstância lhe conferisse naquele momento uma in-
definível solenidade à nossa visita.

Meditando para si mesmo, Fidel se pôs então a lembrar daquele primeiro en-
contro com Chávez no dia 13 de dezembro de 1994. « Foi uma pura casuali-
dade, relembrou. Soube que Eusebio Leal tinha convidado ele para dar uma 
conferência sobre Bolívar. E quis conhecê-lo. Fui esperá-lo ao pé do avião. Coi-
sa que surpreendeu muita gente, incluindo o próprio Chávez. Mas eu estava 
impaciente por vê-lo. Nós passamos a noite conversando. » « Ele me contou, 
eu disse, que sentiu que você estava fazendo ele passar por um exame... » Fi-
del se larga a rir:
« É verdade! Queria saber tudo dele. E me deixou impressionado... Por sua 
cultura, sua sagacidade, sua inteligência política, sua visão bolivariana, sua gen-
tileza, seu humor... Ele tinha tudo!  Me dei conta que estava em frente a um 
gigante da talha dos melhores dirigentes da história da América Latina. Sua 
morte é uma tragédia para nosso continente e uma profunda desdita pes-
soal para mim, que perdi o melhor amigo... »

« Você vislumbrou, naquela conversa, que Chávez seria o que foi, ou seja, o 
fundador da revolução bolivariana? » « Ele partia com uma desvantagem: era 
militar e havia se sublevado contra um presidente socialdemocrata que, na 
verdade, era um ultraliberal... Em um contexto latino-americano com tanto 
gorila militar no poder, muita gente de esquerda desconfiava de Chávez. Era 
normal.
 
Quando eu conversei com ele, há dezenove anos agora, entendi imediata-
mente que Chávez reivindicava a grande tradição dos militares de esquerda 
na América Latina. Começando por Lázaro Cárdenas [1895-1970], o gene-
ral-presidente mexicano que fez a maior reforma agrária e nacionalizou o 
petróleo em 1938... »

Fidel fez um amplo desenvolvimento sobre os « militares de esquerda » na 
América Latina e insistiu sobre a importância, para o comandante bolivariano, 
do estudo do modelo constituído pelo general peruano Juan Velasco Alvara-
do. « Chávez o conheceu em 1974, em uma viagem que fez ao Peru sendo 
ainda cadete. Eu também me encontrei com Velasco uns anos antes, em de-
zembro de 1971, regressando de minha visita ao Chile da Unidade Popular e 
de Salvador Allende. Velasco fez reformas importantes, mas cometeu erros. 
Chávez analisou esses erros e soube evitá-los.  »

Entre as muitas qualidades do Comandante venezuelano, Fidel sublinhou 
uma em particular: « Soube formar toda uma geração de jovens dirigen-
tes; a seu lado adquiriram uma sólida formação política, o que se revelou 
fundamental depois do falecimento de Chávez, para a continuidade da re-
volução bolivariana. Aí está, em particular, Nicolás Maduro com sua firme-
za e sua lucidez que lhe permitiram ganhar brilhantemente as eleições de 
8 de dezembro. Uma vitória capital que o afiança em sua liderança e dá 
estabilidade ao processo. Mas em torno de Maduro há outras pessoalida-
des de grande valor como Elías Jaua, Diosdado Cabello, Rafael Ramírez, 
Jorge Rodríguez... Todos eles formados, às vezes desde muito jovens, 
por Chávez. »

Nesse momento, se somou à reunião seu filho Alex Castro, fotógrafo, 
autor de vários livros excepcionais . Se pôs a tirar algumas imagens « para 
recordação » e se eclipsou depois discretamente.

Também falamos com Fidel do Irã e do acordo provisório alcançado em 
Genebra, no último dia 24 de novembro, um tema que o Comandante cu-
bano conhece muito bem e que desenvolveu em detalhe para concluir dizen-
do: « O Irã tem direito a sua energia nuclear civil. » Para em seguida advertir 
do perigo nuclear que corre o mundo pela proliferação e pela existência de 
um excessivo número de bombas atômicas em mãos de várias potências 
que « têm o poder de destruir várias vezes nosso planeta ».

Preocupa-o, há muito tempo, a mudança climática e me falou do risco que 
representa a respeito o relançamento, em várias regiões do mundo, da ex-
ploração do carvão com suas nefastas consequências em termos de emis-
são de gases de efeito estufa: « Cada dia, me revelou, moerem umas cem 
pessoas em acidentes de minas de carvão. Uma hecatombe pior que no sé-
culo XIX... »

Continua interessando-se por questões de agronomia e botânica. Me mos-
trou uns frascos cheios de sementes: « São de amoreira, me disse, uma 
árvore muito generosa da qual se pode tirar infinitos proveitos e cujas folhas 
servem de alimento para o bicho da seda... Estou esperando, dentro de um 
momento, um professor, especialista em amoreiras, para falar deste assun-
to. »

« Vejo que você não para de estudar. », lhe disse. « Os dirigentes políticos, 
me respondeu Fidel, quando estão ativos carecem de tempo. Nem sequer po-
dem ler um livro. Uma tragédia. Mas eu, agora que já não estou na política ati-
va, me dou conta de que tampouco tenho tempo. Porque o interesse por um 
problema te leva a interessar-te por outros temas relacionados. E assim vais 
acumulando leituras, contatos e, de repente, te dás conta que te falta o tempo 
para saber um pouco mais de tantas coisas que gostaria de saber... »
As duas horas e meia passaram voando. Começava a cair a tarde sem crepús-
culo em La Habana e o Comandante ainda tinha outros encontros previstos. 
Me despedi com carinho dele e de Dalia. Particularmente feliz por ter constata-
do que Fidel continua tendo seu espetacular entusiasmo intelectual.

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