Organizador de “Habeas Corpus” acredita que livro contribuirá para a Comissão da Verdade
Carlos Azevedo pondera que sistematização de documen-
tos sobre desaparecidos da ditadura militar é fruto de
décadas de esforço de familiares e ajuda a recontar epi-
sódios do regime repressor
por João Peres, da RBA publicado 13/01/2011 19:31,
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São Paulo – O livro “Habeas Corpus – Que se apresente o corpo”, recém-lan-
çado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, será
um importante instrumento para a futura Comissão Nacional da Verdade, que
terá o papel de restaurar a verdade sobre a ditadura militar.
Carlos Azevedo, editor-chefe da redação responsável pelo trabalho, entende
que a grande contribuição é fazer a sistematização de um material acumulado
ao longo de décadas. “Poderia dizer que é um trabalho de 40 anos de apuração.
Foram se somando os documentos levantados pela sociedade desde que se
abriram alguns arquivos, com o fim da ditadura. Nos últimos anos, a Secretaria
de Direitos Humanos teve um papel de acelerar essa sistematização”, avalia.
Azevedo ressalta que os esforços do Ministério Público Federal em São Paulo
como centrais para esse levantamento de dados foi importante para o trabalho.
O livro teve como foco recontar a história de 184 desaparecidos políticos. Por
isso, o esforço de compilação do material trará importantes subsídios ao traba-
lho da Comissão da Verdade. Enviado ao Congresso no ano passado, o Projeto
de Lei 7376 prevê a apuração dos crimes cometidos pelo Estado entre 1946 e
1988.
A comissão a ser criada pela Casa Civil teria sete integrantes indicados pelo pre-
sidente da República que tenham como pré-requisito o “respeito aos direitos hu-
manos”.
Em 2007, a Secretaria de Direitos Humanos lançou os livros da série “O direito
à memória e à verdade”, que se tornaram um importante material de referência
para esclarecer alguns dos episódios da ditadura. Azevedo avalia que “Habeas
Corpus” é a sequência deste esforço de apuração, reunindo documentos e fatos
surgidos ao longo dos últimos anos.
Além da história de 184 desaparecidos políticos, a obra soma os avanços obtidos
nas buscas por corpos no Araguaia e joga novas luzes sobre o papel de Romeu Tu-
ma no aparato repressor. Como narrado pela repórter Marina Amaral, o livro re-
força o papel do político falecido no ano passado na produção de atestados de óbi-
to com nomes falsos, na simulação de “suicídios” e “tiroteios” em inquéritos, na
ocultação dos fatos que levaram à morte de dezenas de desaparecidos e no sumiço
de seus corpos. “Os depoimentos dos camponeses do Araguaia indicavam que o
Tuma ia à região, com o nome de delegado Silva, e que sua equipe era especializa-
da em ocultação de cadáveres. Ou seja, o grande coveiro da ditadura”, pondera
Azevedo.
A ocultação de corpos é, sob a legislação internacional, um crime continuado, ou
seja, não prescreve enquanto não for localizada a vítima. É esse um dos fundamen-
tos da decisão proferida no último mês de dezembro pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, que definiu que o Estado brasileiro é culpado por não haver so-
lucionado esse capítulo da ditadura. Ao analisar os crimes cometidos por militares
no episódio da Guerrilha do Araguaia, a entidade integrante da Organização dos Es-
tados Americanos (OEA) determinou que o Brasil adote as medidas necessárias a
virar esta página da história, entre elas a punição dos torturadores.
O título de “Habeas Corpus” transforma-se, portanto, numa interessante sugestão,
à medida que resgata o sentido original da expressão em latim que significa “apre-
sente-se o corpo”. “É uma provocação. Não para os militares em especial, mas pa-
ra a sociedade como um todo, para que se dê conta de que é preciso encontrar os
corpos para poder virar essa página”, pontua o organizador da obra.
Paulo Vannuchi, ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, aponta na apre-
sentação do trabalho que há uma dívida inegável que precisa ser resgatada. “O reco-
nhecimento da responsabilidade do Estado pelas violações de Direitos Humanos
praticadas durante a ditadura já está consolidado. Mas ainda faltam alguns passos
indispensáveis para que se considere plenamente concluída a longa transição para
uma democracia irreversível.”
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