O dia D da internet livre
Por Pedro Ekman, na revista CartaCapital:
Se olharmos para a história, vamos perceber que a forma como se estruturam os meios de comunicação é decisiva para a organização da sociedade. Com a invenção da imprensa, a bíblia passou a ser divulgada massivamente e logo veio a reforma protestante. Os reis trataram rapidamente de estabelecer o monopólio do direito de imprimir e a conquista da liberdade de imprensa (liberdade de todos imprimirem) foi fundamental para uma sociedade que não mais a aceitava governantes com poderes absolutos.
Com a invenção do rádio, imaginou-se que a democracia se radicalizaria em um ambiente onde todos poderiam receber e transmitir informações por esse veículo de longo alcance. Em vez disso, o mercado definiu que o direito receber (consumir) informações seria de todos, ficando restrito a poucas corporações o direito de transmitir as informações a serem consumidas pelo conjunto da sociedade. Essa organização dos meios de comunicação definitivamente ajudou a consolidar a sociedade que conhecemos hoje, onde os direitos civis existem na proporção em que se tem poder econômico para exercê-los.
Com o surgimento da internet, a relação acima descrita é colocada em cheque. Os consumidores de informação têm a possibilidade de produzir e transmitir conteúdos para o conjunto da sociedade, eliminando as corporações de mídia como intermediários. Por outro lado, esse novo meio de comunicação, totalmente estruturado na transmissão de protocolos em rede, também cria uma possibilidade nunca antes vista de controle e manejo das informações que circulam na sociedade. As regras deste novo jogo ainda estão sendo escritas em todo o mundo.
No Brasil, o jogo pode ter seu dia decisivo nesta terça feira, 29 de outubro de 2013. Neste dia, o Congresso Nacional amanhece com a pauta trancada, podendo votar apenas o projeto do Marco Civil da Internet, que está em urgência constitucional.
O dia D para a internet brasileira chega de forma silenciosa e o que for aprovado pode levar a caminhos radicalmente opostos. Podemos apontar para a construção de uma sociedade com diversidade e pluralidade de vozes que efetivamente nunca esteve em pé de igualdade nas democracias constituídas até então, Mas também podemos desenhar a sociedade da informação como uma sociedade do controle, onde o vigilantismo e o autoritarismo de poucos sobre muitos se consolidem como regra geral.
O que está em jogo?
Privacidade:
A noção de privacidade ganha corpo nas sociedades para impedir que o rei (Estado) não entre na casa de quem ele quer na hora em que desejar. Hoje, não apenas o Estado mas corporações multinacionais entram em nossas casas e retiram as informações que desejam através da rede mundial de computadores. O Marco Civil da Internet impede que VIVO, CLARO, TIM e OI tenham o direito de guardar e usar todos os dados que gerarmos ao nos conectarmos à rede. Elas, por sua vez, demonstram repulsa ao texto, que não coloca os seus interesses mercantis privados acima da privacidade de cada cidadão.
Liberdade de expressão:
As Organizações Globo hoje admitem, abertamente, o apoio à ditadura em 1964, que feriu de morte a liberdade de imprensa à época. Hoje, a Globo é uma das principais corporações responsáveis pela censura conteúdos na internet brasileira. No dia 29, a Globo quer que o seu poder de censura vire lei e tenta impor ao relator do projeto o parágrafo segundo do artigo 15 do texto a ser votado. Em nome do direito autoral, a Globo retira do ar conteúdos como o vídeo que debate a representação de negros e negras pela mídia brasileira, cujas imagens são permitidas pela própria Lei de Direitos Autorais, pois utiliza pequenos trechos de obras para produzir debate em torno do tema. É justamente a corporação de mídia que se autodenomina a defensora da liberdade de expressão que censura conteúdos com a falsa premissa de defesa de direitos autorais, motivada pelos seus interesses econômicos.
Neutralidade de rede:
As multinacionais que controlam a infraestrutura de conexão querem transformar a internet em uma espécie de TV a cabo mundial, onde quem pode pagar navega por toda a rede, e quem tem menor poder aquisitivo fica limitado a alguns provedores escolhidos pelas multinacionais em contratos de vantagens econômicas com esses provedores escolhidos. As empresas VIVO, CLARO, TIM e OI querem consolidar um modelo em que possam colocar pedágios dentro da rede. Para isso, precisam garantir que a neutralidade da rede conste no Marco Civil da Internet como um termo vago. Assim, quem controla os cabos não precisa ser neutro em relação aos conteúdos que por neles trafeguem.
O que fazer:
Ativistas de direitos humanos organizam ações no Congresso Nacional com o objetivo de deixar claro para os parlamentares (que na maioria das vezes não dominam o tema) que está em jogo algo decisivo para o futuro da democracia e, por isso, não deve ser pautado pelos interesses privados de poucas corporações. Além da mobilização em Brasília, também há uma campanha na internet que pede a alteração da imagem de capa no Facebook para a imagem da campanha, informando a lista de contatos dos parlamentares para que os eleitores cobrem seus deputados uma postura de não negociação dos direitos fundamentais como a liberdade de expressão, privacidade e neutralidade de rede. Nessa semana, saberemos quem venceu a batalha decisiva, se foram as corporações ou a democracia.
* Pedro Ekman é coordenador do Intervozes e compõe a executiva do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação).
Se olharmos para a história, vamos perceber que a forma como se estruturam os meios de comunicação é decisiva para a organização da sociedade. Com a invenção da imprensa, a bíblia passou a ser divulgada massivamente e logo veio a reforma protestante. Os reis trataram rapidamente de estabelecer o monopólio do direito de imprimir e a conquista da liberdade de imprensa (liberdade de todos imprimirem) foi fundamental para uma sociedade que não mais a aceitava governantes com poderes absolutos.
Com a invenção do rádio, imaginou-se que a democracia se radicalizaria em um ambiente onde todos poderiam receber e transmitir informações por esse veículo de longo alcance. Em vez disso, o mercado definiu que o direito receber (consumir) informações seria de todos, ficando restrito a poucas corporações o direito de transmitir as informações a serem consumidas pelo conjunto da sociedade. Essa organização dos meios de comunicação definitivamente ajudou a consolidar a sociedade que conhecemos hoje, onde os direitos civis existem na proporção em que se tem poder econômico para exercê-los.
Com o surgimento da internet, a relação acima descrita é colocada em cheque. Os consumidores de informação têm a possibilidade de produzir e transmitir conteúdos para o conjunto da sociedade, eliminando as corporações de mídia como intermediários. Por outro lado, esse novo meio de comunicação, totalmente estruturado na transmissão de protocolos em rede, também cria uma possibilidade nunca antes vista de controle e manejo das informações que circulam na sociedade. As regras deste novo jogo ainda estão sendo escritas em todo o mundo.
No Brasil, o jogo pode ter seu dia decisivo nesta terça feira, 29 de outubro de 2013. Neste dia, o Congresso Nacional amanhece com a pauta trancada, podendo votar apenas o projeto do Marco Civil da Internet, que está em urgência constitucional.
O dia D para a internet brasileira chega de forma silenciosa e o que for aprovado pode levar a caminhos radicalmente opostos. Podemos apontar para a construção de uma sociedade com diversidade e pluralidade de vozes que efetivamente nunca esteve em pé de igualdade nas democracias constituídas até então, Mas também podemos desenhar a sociedade da informação como uma sociedade do controle, onde o vigilantismo e o autoritarismo de poucos sobre muitos se consolidem como regra geral.
O que está em jogo?
Privacidade:
A noção de privacidade ganha corpo nas sociedades para impedir que o rei (Estado) não entre na casa de quem ele quer na hora em que desejar. Hoje, não apenas o Estado mas corporações multinacionais entram em nossas casas e retiram as informações que desejam através da rede mundial de computadores. O Marco Civil da Internet impede que VIVO, CLARO, TIM e OI tenham o direito de guardar e usar todos os dados que gerarmos ao nos conectarmos à rede. Elas, por sua vez, demonstram repulsa ao texto, que não coloca os seus interesses mercantis privados acima da privacidade de cada cidadão.
Liberdade de expressão:
As Organizações Globo hoje admitem, abertamente, o apoio à ditadura em 1964, que feriu de morte a liberdade de imprensa à época. Hoje, a Globo é uma das principais corporações responsáveis pela censura conteúdos na internet brasileira. No dia 29, a Globo quer que o seu poder de censura vire lei e tenta impor ao relator do projeto o parágrafo segundo do artigo 15 do texto a ser votado. Em nome do direito autoral, a Globo retira do ar conteúdos como o vídeo que debate a representação de negros e negras pela mídia brasileira, cujas imagens são permitidas pela própria Lei de Direitos Autorais, pois utiliza pequenos trechos de obras para produzir debate em torno do tema. É justamente a corporação de mídia que se autodenomina a defensora da liberdade de expressão que censura conteúdos com a falsa premissa de defesa de direitos autorais, motivada pelos seus interesses econômicos.
Neutralidade de rede:
As multinacionais que controlam a infraestrutura de conexão querem transformar a internet em uma espécie de TV a cabo mundial, onde quem pode pagar navega por toda a rede, e quem tem menor poder aquisitivo fica limitado a alguns provedores escolhidos pelas multinacionais em contratos de vantagens econômicas com esses provedores escolhidos. As empresas VIVO, CLARO, TIM e OI querem consolidar um modelo em que possam colocar pedágios dentro da rede. Para isso, precisam garantir que a neutralidade da rede conste no Marco Civil da Internet como um termo vago. Assim, quem controla os cabos não precisa ser neutro em relação aos conteúdos que por neles trafeguem.
O que fazer:
Ativistas de direitos humanos organizam ações no Congresso Nacional com o objetivo de deixar claro para os parlamentares (que na maioria das vezes não dominam o tema) que está em jogo algo decisivo para o futuro da democracia e, por isso, não deve ser pautado pelos interesses privados de poucas corporações. Além da mobilização em Brasília, também há uma campanha na internet que pede a alteração da imagem de capa no Facebook para a imagem da campanha, informando a lista de contatos dos parlamentares para que os eleitores cobrem seus deputados uma postura de não negociação dos direitos fundamentais como a liberdade de expressão, privacidade e neutralidade de rede. Nessa semana, saberemos quem venceu a batalha decisiva, se foram as corporações ou a democracia.
* Pedro Ekman é coordenador do Intervozes e compõe a executiva do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários são bem-vindos, desde que não contenham expressões ofensivas ou chulas, nem atentem contra as leis vigentes no Brasil sobre a honra e imagem de pessoas e instituições.