Ontem à noite viajamos 45 minutos de trem para assistir a um grande filme, em Dordrecht, na Holanda do Sul. Ela tem status de "cidade" desde 1220, e contra hoje com cerca de 120 mil habitantes.
Antes de falar do filme, deixem-me apenas registrar uma curiosidade sobre Dordrecht. Em 1619, aconteceu aqui um sínodo de igrejas reformadas de vários países europeus. Nele, acabou vencedora a doutria do suprelapsismo, que determina que "na ordem dos decretos divinos, o da predestinação precede o da permissão para a queda de Adão, e não é dele consequência". Ou seja, Adão foi predestinado pelo Criador a pecar e, portanto o homem não tem nenhuma participação na obra da sua Salvação: ela será concedida ou não por Deus, independentemente do nosso esforço pessoal.
Isso causou uma grande discussão teológica, foi refutado por várias igrejas reformadas na Europa, e permanece até hoje um tema de debate de alta Teologia.
Aui, uma vista aérea de Dortrecht, onde três rios se encontram e, com lagos e canais, fazem da cidade uma ilha:
Sobre o filme que me levou a escrever este post, ele vai estrear no Brasil em 23 de novembro, depois de entrar na Mostra de Cinema de São Paulo. É belíssimo, e foi filmado quando estávamos em Lisboa, há uns dois anos. Vimos a filmagem de uma cena em frente ao grande prédio que aparece como residência do escritor Amadeu, personagem sobre a qual a história evolui - mas a dena não entrou no filme, deve ter sido cortada na edição.
Baseia-se no livro de mesmo nome, escrito por Pascal Mercier, em 2004, e que já vendeu mais de 2,5 milhões de exemplares. Li há alguns anos e, sem dúvida, o livro aguçou minha antiga vontade de conhecer Lisboa e Portugal, onde acabamos passando um mês inteiro, inesquecível.
Basicamente, conta a trajetória de um professor de línguas clássicas suiço, Raimund Gregorius, que salva a vida de uma jovem prestes a cometer o suicídio. Ela desaparece em seguida, deixando um casaco vermelho e no bolso um livro, "Ourives das Palavras", de Amadeu do Prado, que trata de temas filosóficos que tocam de perto o seu leitor. A ponto de ele abandonar sua vida na Suiça e, repentinamente, tomar um trem noturno para Lisboa, onde começa a investigar a vida do autor.
Encontra pessoas que conviveram como ele e ficaram marcadas pela sua personalidade de médico, poeta e membro da resistência à ditadura de Salazar. Ao longo do filme, belíssimas frases do livro são citadas por Raimund. Este é interpretado magistralmente pelo ator Jeremy Irons, sem dúvida um dos melhores astros do cinema mundial nos últimos anos. Nesta busca por um autor morto, Raimund parece reviver, saindo de sua vida monótona e solitária de professor em Berna, que sente-se motivado novamente pelos depoimentos que colhe: "Eles viveram!".
Foi muito bom rever lugares que percorremos muitas vezes em Lisboa, cidade belíssima.
O elenco tem ainda Mélanie Laurent, Jack Huston, Martina Gedeck, Bruno Ganz (um bêbado perfeito), Christopher Lee (o imortal Drácula, que aqui faz um velho padre, ex-professor do poeta procurado), e Charlotte Rampling (impressionante no papel da irmã traumatizada do falecido Amadeu do Prado).
Vale a pena verem este filme, e também lerem o livro (como sempre, acho o livro melhor que o filme, mas isso porque estou comparando duas experiências estéticas diferentes: tanto um como outro estão muito acima da média do que temos visto em Literatura e em Cinema).
Aqui, o trailler, com legendas:
http://www.youtube.com/watch?v=jGXa9dr6xGg
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