'PSDB CAI EM ARMADILHA COM DISCURSO DE PRIVATIZAÇÃO'
Ao afirmar que o governo Dilma fez "a maior privatização da história"
com o leilão de Libra, senador Aécio Neves tenta dizer que o PT, que
sempre condenou essa prática, se contradiz; mas sua acusação dá ainda
uma outra conotação: a de que há algo errado em privatizar; análise é
do jornalista Fernando Dantas, do Estadão; leia seu texto sobre o
assunto
28 DE OUTUBRO DE 2013 ÀS 19:18
247 - O discurso de que o leilão de Libra foi uma privatização do
governo petista tem colocado o PSDB em uma armadilha. O presi-
dente do partido, senador Aécio Neves, chama a licitação de "a
maior privatização da história". Com isso, tenta mostrar ao eleito-
rado que o PT, que sempre criticou essa prática, agora se con-
tradiz na ação. No entanto, a frase parece mais uma acusação e
dá a entender, também, que há algo errado em privatizar, uma
vez que a oposição sempre aponta as falhas do governo, não seus
acertos.
A análise da armadilha da privatização é do jornalista Fernando
Dantas, do Estado de S. Paulo, que escreveu um texto sobre o
assunto. Leia:
Tucanos e a armadilha da privatização
O senador Aécio Neves, virtual candidato tucano à presidência
da República, bem que está tentando. Mas parece ser muito difícil
para o PSDB sair da armadilha montada pelo PT, com muito
sucesso, em cima do tema da privatização.
(há posts novos no blog abaixo deste)
Esta semana, num discurso no plenário do Senado, Aécio investiu
contra o leilão de Libra, dizendo, entre outras afirmações, que o
governo de Dilma Rousseff fez "a maior privatização da história
brasileira".
Entende-se o sentido da fala do oposicionista. Como o PT é um
crítico contundente das privatizações, Aécio está apontando o que
seria a hipocrisia do partido no poder. Do ponto de vista do eleitorado,
porém, devem importar mais as ações do que a coerência entre o
discurso e as ações. O que se escolhe a cada eleição majoritária são executores, e não filósofos.
E a mensagem subliminar da fala do candidato tucano é inescapável:
se ele está chamando a atenção para o fato de que o PT fez "a maior privatização da história", é porque algo de errado deve haver em
privatizar. Afinal, a oposição enfatiza as falhas do governo, e não os
seus acertos.
Dessa forma, ao investir contra a suposta hipocrisia do PT, Aécio nada
mais faz do que reforçar o discurso governista – que foi uma poderosa
arma nas últimas eleições presidenciais – de que privatização é algo
de que um político deve se envergonhar.
Para ser justo com o senador tucano, o seu discurso sobre o papel do
setor privado em geral, e sobre Libra em particular, é bem mais amplo
do que a frase sobre "a maior privatização da história". Ele vem
tentando discutir a desconfiança petista sobre o setor privado (e as
perdas ao país causadas por isso), o uso político da Petrobrás e uma
série de outros temas relevantes.
O cientista político Carlos Pereira, da Escola Brasileira de Administra-
ção Pública e de Empresas (Ebape), no Rio, nota inclusive que, no
recente programa televisivo do PSDB, foi apresentado o pano de fundo
de "uma agenda bem liberal". Isso ficou claro na narrativa de histórias
de vida como a do vendedor de picolé da Rocinha que se tornou dono
de sorveteria, ou do peão que virou fazendeiro de soja. A ideia é de
que a ascensão social não depende apenas da ajuda do Estado, mas
também do esforço individual, que permite ao cidadão de origem pobre
chegar ao momento de "devolver o cartão do Bolsa-Família".
Tudo isso é coerente com a ideia dos tucanos de repaginar a sua
imagem, superando o rótulo de partido dos ricos para encarnar uma
centro-direita (dentro do espectro político brasileiro) que converse de
uma forma diferente dos petistas com as aspirações de ascensão social
dos pobres e da classe média baixa.
Essa estratégia tende a dar com burros n'água, porém, quando o
recorrente tema da privatização volta ao debate. Pereira nota que o
sucesso petista em criar uma imagem negativa para a privatização
deriva de inclinações antigas e resistentes do eleitorado, como o
instinto nacional-populista, forjado em campanhas como "o petróleo
é nosso" na era Vargas. A isto se soma o fato de que as vantagens
da privatização, como a melhoria de serviços e da eficiência da
economia, são frutos de médio e longo prazo, enquanto os custos,
como o enxugamento de postos de trabalho e as turbulências de
transição de regime, tendem a ser mais imediatos.
O cientista político recorda que, na primeira derrota dos tucanos
pelos petistas em eleições presidenciais, em 2002, o apagão de
energia elétrica, atribuído em parte a uma privatização mal concebida
do setor energético, ainda reverberava com força no eleitorado.
"O Serra (candidato tucano em 2002) não soube se defender, e o PT
ganhou o debate", analisa Pereira. No segundo turno de 2006, Lula
brandiu com mais força ainda a bandeira anti-privatista, levando o
candidato opositor, Geraldo Alckmin, ao episódio quase ridículo de
vestir uma camiseta repleta de nomes de estatais.
Todo o discurso mais elaborado de Aécio sobre a questão do papel
do setor privado se perde quando uma frase de efeito poderosa como
"a maior privatização da história brasileira" rouba as manchetes e os
títulos das matérias nos jornais e na Internet. De forma quase
inconsciente, os tucanos ajudam a cristalizar de forma ainda mais
forte a ideia de que a privatização da era FHC foi um triste capítulo
da história econômica do País.
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast ( fernando.dantas at
estadao.com)
Este artigo foi publicado originalmente na AE-News/Broacast
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