O amigo blogueiro Eduardo Guimarães expõe em detalhes a reação da mídia cartelizada brasileira à Ley de Medios da Argentina, que democratiza o setor e acaba com o quase monopólio do grupo "Clarín", equivalente ao poder concentrado da Globo no Brasil:
Em abril, mídia brasileira comemorava “derrota” da
“Ley de Medios” na Justiça
Chegou ao fim, na Argentina, uma guerra judicial que já durava mais de quatro anos: a Corte
Suprema de Justiça do país considerou constitucional a lei de Serviços de Comunicação
Audiovisual, a dita “Ley de Medios”, ou “Lei da Mídia”. Aprovada em 2009 pelo congresso, de
lá para cá não vigorou devido a liminar obtida pelo Grupo Clarín (a Globo argentina), que
suspendeu os efeitos daquele marco regulatório.
Com a queda da última barreira à execução da nova lei argentina, os grupos de mídia que
detém controle acionário de uma multiplicidade de plataformas, tais como rádios, jornais,
revistas, emissoras de tevê a cabo ou aberta, portais de internet e empresas de telefonia,
terão que se desfazer da grande maioria delas, muitas vezes tendo que optar por uma ou duas
em detrimento das outras.
Essa regulação dos meios de comunicação eletrônicos daquele país, então, vem assustando
a igualmente concentrada mídia brasileira, que chega a igualar ou a superar a congênere
argentina como oligopólio.
Com efeito, isso ocorre porque as concessões de rádio e televisão no Brasil estão –
praticamente todas – concentradas nas mãos de algumas poucas famílias e, tal qual no país
vizinho, seriam passíveis de dissolução se a comunicação, neste país, tivesse regras como
as que vigoram para tantos setores de nossa economia regulados pelo CADE, que atua contra
a formação de monopólios, oligopólios e carteis.
(...)
A reportagem da edição do JN de 29 de outubro de 2013 colocou a questão como produto de
“ataque à liberdade de imprensa” que o governo argentino estaria praticando. O relato do
telejornal sobre a briga judicial do Grupo Clarín contra a lei aprovada pelo Legislativo do país
ainda tentou fazer parecer que fora imposta pelo governo de forma ditatorial. Além disso,
escalou um “especialista” simpático à sua opinião para criticá-la.
Mas o pior mesmo foi o âncora principal do JN, Willian Bonner, insinuar que a maioria dos
juízes da Corte Suprema argentina teriam atuado de forma política por terem sido indicados
pelo ex-presidente Néstor Kirchner, antecessor – e, então, marido – da hoje presidente Cristina
Kirchner, apesar de que lá, como aqui, sempre foi o presidente da República quem indicou os
ministros das Supremas Cortes.
A insinuação do Jornal Nacional sobre o judiciário da Argentina e a escolha que o telejornal fez
de só exibir a opinião de “especialista” favorável à sua opinião são os pontos que revelam com
maior vigor a necessidade de o Brasil ter também seu marco regulatório de forma a extinguir
de vez o oligopólio que temos no setor de comunicação, o qual jamais seria tolerado em
qualquer outro setor de nossa economia.
A família Marinho, por exemplo, NÃO PODE usar uma concessão pública de tevê para vender
suas teses políticas e ideológicas enquanto censura as de outros setores da sociedade que,
tanto quanto quaisquer outros, também são DONOS daquela concessão.
(...)
Entre 13 e 18 de abril deste ano, os jornais Folha de São Paulo, O Globo e Valor Econômico
publicaram matérias comemorando a “derrota” do governo Kirchner na mesma justiça que,
agora, a Globo – e, em breve, o resto da grande mídia – insinua que favoreceu indevidamente
aquele mesmo governo.
Abaixo, as matérias dos três jornais comemorando o favorecimento que seus pontos de vista
receberam da justiça argentina há cerca de seis meses.
—–
13 de abril de 2013
Tribunal impõe derrota a Cristina, segundo jornal
Juízes consideraram inconstitucionais artigos da Lei de Meios, de acordo com ‘La Nación’
(...)
Considerado um “monopólio” pelos kirchneristas, o Clarín é o mais poderoso grupo da
imprensa local, contando com emissora de TV, empresa de cabo, portal de internet, jornais
e rádios.
A Lei de Meios, promulgada em 2009, previa nesses dois artigos a proibição da propriedade
cruzada de meios (empresas de cabo não poderiam atuar em TV aberta), limites de licenças
por empresa e dava prazo de um ano para adequação à legislação.
(...)
*
17 de abril de 2013
Cristina Kirchner sofre derrota na Justiça sobre lei de mídia
Por César Felício | Valor
BUENOS AIRES – O governo da presidente argentina Cristina Kirchner foi derrotado hoje
em decisão de segunda instância da Justiça argentina sobre a “lei de meios”, que restringe
o tamanho dos grupos de mídia eletrônica na Argentina. A Câmara Federal Civil e Comercial
declarou inconstitucional os dispositivos que estabelecem o limite de 24 licenças de
televisão a cabo e do limite de 35% para a cobertura geográfica com serviços de televisão
no país. Também caiu a norma que proibia a prestação simultânea de serviços de TV a cabo
e de TV aberta.
A medida beneficia o grupo Clarín, maior conglomerado de mídia na Argentina, com quem
o governo trava uma disputa política desde 2008. (...)
18 de abril de 2013
Lei de Meios: governo Kirchner sofre revés
Tribunal declara inconstitucionais artigos prejudiciais ao grupo Clarín
BUENOS AIRES – Um dia depois do Tribunal da Câmara Federal Civil e Comercial
ter declarado a inconstitucionalidade parcial de dois artigos da polêmica Lei de Meios
denunciados há mais de três anos pelo grupo Clarín, a presidente Cristina Kirchner
voltou a questionar a atuação do Judiciário argentino.
(...)
A posição dos membros da câmara representou um revés para o governo Kirchner, já
que o tribunal confirmou pontos dos artigos 45 e 48 que, se fossem aplicados,
significariam um duro golpe para o Clarín. A câmara defendeu, por exemplo, o direito
do grupo de fornecer o serviço de TV a cabo em todo o país e não apenas em 24
municípios, como estabelece a lei.
Também foi autorizada a possibilidade de operar, numa mesma cidade, um canal de
TV aberta e outro de TV a cabo. O governo pretendia impedir esta sinergia. Por fim, a
restrição que limitava o raio de ação dos canais a 35% da audiência nacional também
foi considerada inconstitucional pela câmara.
—–
Acima, a evidência de que a mídia brasileira confia ou não na justiça argentina de
acordo com a ocasião.
Mas não é só aí que fica claro que a comunicação, também no Brasil, precisa mesmo
ser desconcentrada. O Jornal Nacional escolheu para comentar o fato no país vizinho um
“especialista” favorável ao seu ponto de vista, o presidente da Associação Internacional
de Radiodifusão, Alexandre Jobim, que fez críticas à lei de meios da Argentina.
Diz Jobim:
—–
“Essa lei está com um direcionamento. Ela quer derrubar um suposto oligopólio de
alguns grupos independentes que são opositores ao governo Kirchner, e por outro
lado o governo vai estar fazendo um movimento contrário, ou seja, um movimento
de fazer uma verdadeira colonização dos meios mediante publicidade oficial nos
meios aliados com essa situação. Nenhuma lei, o parlamento maioria governista, e
quer quebrar os contratos pela metade, segurança jurídica, o ato jurídico perfeitos de
que são princípios não só da constituição na Argentina, como da Casa Interamericana
de Direitos Humanos”
—–
O telespectador do Jornal Nacional deve ter ficado pensando – ou a Globo quis que
ficasse pensando – que é ponto pacífico que estaria havendo alguma violação de
direitos e cerceamento à liberdade de expressão na Argentina, promovido por um
governo “ditatorial”. Contudo, se houvesse interesse da emissora em fornecer
informação e não, tão-somente, defesa de seus próprios interesses – em detrimento
dos direitos da quase totalidade da sociedade, diga-se –, ela deveria ter apresentado um
especialista tão ou mais eminente e representativo que Jobim, mas com opinião
diametralmente contrária.
Ou as pessoas não devem ter acesso aos dois lados da moeda?
Isso, claro, é o que mandaria a pluralidade opinativa que, aliás, a Globo diz que adota em
seu jornalismo – mas que, como se vê, não cumpre.
Poderia, a emissora da família Marinho, ter ido ouvir, por exemplo, o Relator Especial da
ONU sobre Liberdade de Expressão e Opinião, Frank La Rue, que, ao site da organização
sediada em Nova Iorque, deu declaração diametralmente oposta da que deu o
“especialista” eleito pela Globo para concordar consigo.
Leia, abaixo, trecho do que diz o relator da ONU sobre a lei de meios argentina:
—–
“(…) A lei foi levada a cada província, onde foram feitas consultas. (…) A lei da Argentina
faz um balanço equitativo nas telecomunicações entre interesses comerciais, comunitários
e públicos, que na minha visão deveriam ser independentes. E os meios comunitários não
são meios comerciais e não podem entrar na mesma lógica (…)”
—–
Por fim, leia na íntegra, abaixo, a matéria do Jornal Nacional citada neste texto. E tire as
suas conclusões.
—–
29 de outubro de 2013
Governo argentino defende Lei de Meios, que vai limitar o Grupo Clarín
Lei é considerada constitucional e juízes aprovam limite de concessões de rádio e TV. Com
decisão, governo vai limitar o tamanho do Grupo Clarín.
A Corte Suprema da Argentina considerou constitucional a Lei de Meios, aprovada
em 2009
pelo Congresso. A lei estabelece novas normas de concessão de rádio e de televisão
na Argentina.
A decisão desta terça-feira (29) é mais um capítulo na guerra de quase seis anos travada
entre a presidente Cristina Kirchner contra o Clarín, maior grupo de comunicação da Argentina
e uma das poucas vozes críticas ao governo.
A posição da Suprema Corte representa uma vitória para o governo, que vai conseguir limitar
drasticamente o tamanho do grupo de comunicação, considerado seu inimigo número um.
Quatro dos sete juízes que participaram do julgamento desta terça-feira (29) foram indicados
por Nestor Kirchner, marido e antecessor de Cristina, morto há três anos.
Seis juízes consideraram a Lei de Meios constitucional e aprovaram o limite de concessões
de rádio e TV. O artigo que possibilita o fim imediato das concessões, mesmo de longo prazo,
teve o placar mais apertado: quatro a três.
Na sentença de quase 400 páginas, os juízes cobraram ainda a transparência nas políticas de
subsídio e propaganda oficial.
Com a decisão da Corte, o Grupo Clarín terá que se desfazer de grande parte dos canais de rádio,
TV, TV a cabo e internet. Serão pelo menos 150 de suas 200 concessões. Além de edifícios e
equipamentos, onde funcionam suas emissoras.
O governo explicou nesta terça-feira (29) que o prazo para o cumprimento voluntário da lei já
venceu e que, a partir de agora, seguirá com o processo de forma unilateral. As empresas terão
que manter os funcionários e os serviços até a total transferência para os novos donos. Se alguma
empresa se sentir prejudicada em relação à indenização, poderá entrar na Justiça.
Em nota, o Grupo Clarin declarou que respeita a decisão da Justiça e não descarta entrar com
uma ação em cortes internacionais. O grupo considera que a decisão não respeita os direitos
adquiridos para concessões de médio e de longo prazos, e que a lei afeta claramente a liberdade
de expressão e quer silenciar os meios que exercem o jornalismo crítico.
O presidente da Associação Internacional de Radiodifusão, Alexandre Jobim, fez críticas à lei de
meios da Argentina.
“Essa lei está com um direcionamento. Ela quer derrubar um suposto oligopólio de alguns
grupos independentes que são opositores ao governo Kirchner, e por outro lado o governo
vai estar fazendo um movimento contrário, ou seja, um movimento de fazer uma verdadeira
colonização dos meios mediante publicidade oficial nos meios aliados com essa situação.
Nenhuma lei, o parlamento maioria governista, e quer quebrar os contratos pela metade,
segurança jurídica, o ato jurídico perfeitos de que são princípios não só da constituição na
Argentina, como da Casa Interamericana de Direitos Humanos”, declara Alexandre Jobim,
presidente da Associação Internacional de Radiodifusão.
O texto integral, sem os cortes que fiz para abreviar o post, deve ser lido em:
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