Os vazamentos do dinheiro público
Por Ladislau Dowbor, no jornal Le Monde Diplomatique-Brasil:
O Brasil não é pobre. Mas seus recursos são frequentemente mal utilizados, ou desviados, vazando pelas numerosas brechas, legais ou ilegais, quando poderiam ser produtivos. E não se trata de, como sempre, culpar o governo: são articulações públicas e privadas que deformam o processo decisório. Seguir o dinheiro ajuda a entender a dinâmica tanto deste como das deformações políticas. Cada um de nós conhece alguns aspectos e suspeita de outros. Mas vale a pena descrever os principais mecanismos e ver como se articulam.
A compra das eleições
Os grandes vazamentos não se dão, de forma geral, por meios ilegais, pois são praticados por grupos suficientemente poderosos para adaptar a legalidade aos seus interesses. O ponto de partida, portanto, está na apropriação da máquina que faz as leis. No Brasil, a lei que libera o financiamento das campanhas por interesses privados é de 1997 [1]. Quanto mais cara é a campanha, mais o processo é dominado por grandes financiamentos corporativos e mais a política se vê colonizada. O resultado é a erosão da democracia e custos muito mais elevados para todos, já que os gastos com as campanhas são repassados para o público por meio dos preços. Nos Estados Unidos, onde um sistema semelhante foi instalado em 2010, Hazel Henderson comenta: “Temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”.
Os grupos econômicos podem contribuir com até 2% do patrimônio, o que representa muito dinheiro. Os professores Wagner Pralon Mancuso e Bruno Speck, respectivamente da USP e da Unicamp, estudaram os impactos. “Os recursos empresariais ocupam o primeiro lugar entre as fontes de financiamento de campanhas eleitorais brasileiras. Em 2010, por exemplo, corresponderam a 74,4%, mais de R$ 2 bilhões, de todo o dinheiro aplicado nas eleições (dados do Tribunal Superior Eleitoral).” [2].
O custo das campanhas é até, em termos relativos, um mal menor se comparado aos custos de uma política estruturalmente deformada. Na realidade, é um desencadeador de deformações. A representação desequilibrada gerou um sistema tributário que onera proporcionalmente os mais pobres, levando à reprodução da desigualdade. Criou-se também uma cultura de superfaturamento de obras que a colusão entre políticos e grandes empreiteiras permite. Mais grave ainda, deforma-se o uso final dos recursos, por exemplo, com priorização do transporte individual nas grandes cidades ou do transporte rodoviário para transporte de carga, e assim por diante. E, em termos políticos, o sistema corrói o processo democrático ao gerar uma perda de confiança popular na política em geral.
O sistema gerou sua própria legalidade. Em 1997, transformou-se o poder financeiro em direito − o direito de influenciar as leis, às quais seremos todos submetidos. Ético mesmo é reformular o sistema e acompanhar os países que evoluíram para regras do jogo mais inteligentes e limitaram drasticamente o financiamento corporativo das campanhas.
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